Nonato Guedes
A nota emitida pela Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT) para celebrar a farsa eleitoral promovida pelo ditador Nicolás Maduro no domingo, 28, na Venezuela, provocou reações fortes na mídia e abriu protestos dentro da própria legenda. O senador Paulo Paim, do PT-RS, filiado desde 1985, confrontou, ontem, a nota emitida pela cúpula do seu partido, presidida por Gleisi Hoffmann. “Não há democracia sem transparência no processo eleitoral”, alfinetou Paim em postagem enfática no X, antigo Twitter. Ele acrescentou que a situação na Venezuela é gravíssima e lamentável. “Espero por dias melhores para o seu povo e para o país como um todo. Sem transparência no processo eleitoral, liberdade política e de expressão e respeito aos direitos humanos, não há democracia”, pontuou o parlamentar.
O resultado das eleições na Venezuela está, no mínimo, sob suspeita, diante de episódios de descarada intervenção do governo de Nicolás Maduro na livre manifestação popular e de denúncias de ameaças contra opositores, em plena coerência com o comportamento autoritário do dirigente do país vizinho, que chegou a ser recepcionado com honras no Brasil pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O próprio presidente Lula tem feito um verdadeiro malabarismo perante governos de outros países para demonstrar que cobra atitudes democráticas na Venezuela e que não compactua com atos de força praticados por regimes de plantão. Mas a postura de Lula, inclusive, anunciando que só faria uma manifestação oficial ao ter plena ciência das atas de seções eleitorais com os resultados da votação na Venezuela, pareceu a muitos ensaiada, estrategicamente, para aliviar resistências diante de um reconhecimento da vitória de Maduro.
Na nota divulgada, a Executiva Nacional do PT saudou o povo venezuelano “pelo processo eleitoral ocorrido no domingo, dia 28 de julho de 2024, em uma jornada pacífica, democrática e soberana”. Textualmente, ressaltou ainda: “Temos a certeza de que o Conselho Nacional Eleitoral, que apontou a vitória do presidente Nicolás Maduro, dará tratamento respeitoso para todos os recursos que receba, nos prazos e nos termos previstos na Constituição da República Bolivariana da Venezuela”. Em termos concretos, analistas políticos chamam a atenção para o fato de que na Venezuela a oposição foi impedida de acompanhar a apuração dos votos e, ao mesmo tempo, o procurador-geral da República denunciou três dos opositores de Maduro por um alegado ataque cibernético durante a contagem dos votos. Maduro apressou-se no ato de sua diplomação para mais um mandato de seis anos à frente dos destinos do povo venezuelano, mas teve o dissabor de enfrentar hostilidades por parte de vários países democráticos, com acenos de rompimento de relações democráticas. O país, que já enfrentava uma grave crise, está na iminência de passar por um colapso e, no paralelo, sucediam-se até as últimas horas manifestações de rua em sinal de protesto, debaixo de acentuada repressão do regime.
O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yvan Gil, agradeceu ao Partido dos Trabalhadores do Brasil em nome de Nicolás Maduro por endossar a farsa eleitoral promovida pelo ditador venezuelano com “calorosas felicitações”. Já o próprio Maduro tratou como “amigo” o ex-chanceler Celso Amorim, enviado especial do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Venezuela com a responsabilidade de acompanhar o processo eleitoral e suas consequências e manter o governo brasileiro corretamente informado sobre o andamento da manifestação do povo do país vizinho. “Em nome do presidente Nicolás Maduro, agradecemos ao PT, o partido no poder no Brasil, pelas suas calorosas felicitações pelo processo eleitoral do domingo. Agradecemos o reconhecimento do trabalho do poder eleitoral e dos resultados que demonstraram a soberania do povo venezuelano”, escreveu o chanceler no X, antigo Twitter.
Políticos de oposição no Brasil, ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, se manifestaram com veemência contra o posicionamento adotado pelo Partido dos Trabalhadores, acusando-o de ser conivente com regimes autoritários, fazendo ruir por terra o compromisso alardeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o pleno funcionamento e o respeito às instituições democráticas. Desde os atos terroristas de oito de janeiro em Brasília, com depredação das sedes dos três Poderes, o presidente Lula e o seu partido têm procurado realçar a defesa dos postulados democráticos, asseverando que estão integrados a esse mandamento, que envolve, igualmente, o respeito à Constituição. Mas a relação estreita do governo de Lula com alguns regimes ditatoriais, a exemplo do regime da Venezuela, cria dúvidas na opinião pública sobre a seriedade desses compromissos. O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é tido como um político moderado, indispôs-se contra a farsa eleitoral na Venezuela e defendeu os valores democráticos como indispensáveis e essenciais para o fortalecimento das nações.