Nonato Guedes
Numa entrevista concedida a jornalistas paraibanos no dia 22 de setembro de 1982, o ex-ministro Delfim Netto fez uma confissão: “Até concordo em que o esporte nacional é falar do Delfim Netto. O meu esporte nacional, também, é ficar me defendendo. De vez em quando dou pequenas flechadas, mas muito poucas. O que acontece é que as pessoas precisam fixar os seus problemas em alguma coisa, de preferência no ser vivo. Quanto mais primitiva é a pessoa, mais necessidade ela tem de ter um animal ou ser vivo, no qual descarrega tudo aquilo que acha desagradável”, desabafou o economista. Delfim morreu em São Paulo aos 96 anos e, em nota, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou que por 30 anos foi um crítico da polêmica figura, mas que lhe pediu desculpas em 2006. “Na minha campanha em 2006 pedi desculpas publicamente porque ele foi um dos maiores defensores do que fizemos em políticas de desenvolvimento e inclusão social que implementei nos meus dois primeiros mandatos”, disse ele. Delfim foi um dos signatários do AI-5 e uma das eminências da ditadura militar, mas manteve relação muito próxima com o governo de Lula.
Sua vasta cultura foi reconhecida por gregos e troianos em depoimentos sobre sua morte, bem como a sua contribuição em aspectos de políticas públicas sociais adotadas no Brasil. O problema é que ficou estigmatizado por ter sido um dos mais longevos ministros do regime militar, sempre pilotando áreas técnicas ou econômicas, e por ter legado situação de hiperinflação ao país, que ficou conhecida como “o milagre brasileiro”. Também foi bastante criticado quando defendeu o axioma de que “é preciso fazer o bolo crescer para só então distribuí-lo”. Quando recebeu jornalistas paraibanos, incluindo este colunista, que então trabalhava no “Correio da Paraíba”, Delfim afirmou que, apesar da seca, o Nordeste não tinha deixado de crescer e foi mais além: admitiu que havia discriminação, sim, por parte do governo federal, “mas a favor do Nordeste”, citando programas que estavam em fase de execução. Da entrevista, participaram ainda Antônio Genésio de Souza, Pedro Moreira, Alexandre Torres, Severino Ramos, Fernando Melo, Tarcísio Cartaxo, Marcos Marinho, Luiz Barbosa de Aguiar e Humberto Campos. Na época, Delfim era ministro-chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, em pleno governo Figueiredo e uma plaquete com suas afirmações chegou a ser editada e distribuída pelo ministério. Como Delfim estava recebendo jornalistas de diferentes Estados, especulou-se que ele iria ser candidato à Presidência da República no ocaso dos militares, ainda que por via indireta. Mas isto não se concretizou, e na redemocratização Delfim acabou se elegendo, pelo voto, deputado federal por São Paulo. Foi, ainda, ministro da Agricultura e embaixador do Brasil na França.
Delfim não acreditava em prognósticos sobre recessão, ponderando que o que tinha ocorrido fora a redução do nível de atividade que era necessária para ajustar a balança comercial, além da influência de fatores externos, como a guerra das Malvinas, na Argentina. Sobre o tratamento dado ao Nordeste, assim reagiu: “Devo dizer: há discriminação, mesmo, mas a favor do Nordeste. Há discriminação, mesmo, mas é para encaminhar recursos para o Nordeste. Todos os programas do Nordeste têm recursos claramente diferenciados, seja em termos de juros, seja em termos de prazo. O Brasil continua transferindo renda para o Nordeste, o Brasil é o único país onde se continua fazendo uma transferência importante de renda das regiões mais desenvolvidas para as regiões menos desenvolvidas. No Brasil, hoje, se transfere, por ano, entre a Região Sul e o Nordeste ou Norte, mais recursos do que o mundo subdesenvolvido recebe do mundo desenvolvido como um todo. Isso dá uma ideia do esforço que está sendo feito, e é isso que explica porque durante três anos, com uma crise enorme, com uma recessão no Sul, a economia do Nordeste não sofreu tanto”. Ele não assumia que houvesse incompreensão das lideranças nordestinas; apenas achava que era preciso “considerar os fatos”.
Pressionado pela conjuntura política, que registrava as primeiras eleições diretas a governadores estaduais desde a deflagração do golpe de 64, Delfim Neto descartava as pressões para um congelamento de preços até as eleições, pelo menos. Disse: “A obrigação do governo é continuar governando; a obrigação do governo não é enganar. Ou você acha que nós aumentamos o preço da gasolina porque é do meu desejo aumentar o preço da gasolina?”. E, na sequência: “Há alguns imbecis que imaginam que isso é -produto da vontade do Senhor Delfim Netto”. Conforme ele, o governo não reajustava preços por uma vontade própria, mas, sim, em decorrência dos fatores que influenciavam o desempenho da economia de mercado no Brasil. Em 1982, Delfim Neto assegurava que a prioridade número um do governo era a agricultura, acompanhando oscilações que, na sua avaliação, favoreciam o Brasil. Enquanto isso, no social – ressaltava Delfim – a preocupação do governo do presidente Figueiredo é ir alterando o orçamento na direção de projetos que atendam a esse aspecto. “O Finsocial, agora, é um exemplo típico disto, e não é pouca coisa”, alardeava o ministro do Planejamento.
Um dos jornalistas paraibanos questionou Delfim Netto: “Ministro, as eleições de novembro são importantes para o Brasil, todos nós sabemos disso. Gostaria de saber: se a oposição vencer, o governo tem alguma proposta para mudar sua posição?”. A oposição acabou vencendo as eleições nos grandes Estados, que constituíam o chamado PIB nacional, conforme denominação da mídia sulista. Na Paraíba, ganhou o então deputado Wilson Braga, candidato do PDS, partido do governo, contra Antônio Mariz, que era do PMDB, obtendo uma vitória de 151 mil votos. Delfim Netto assim respondeu à pergunta do jornalista sobre a influência das eleições: “Deixa eu lhe contar: quando o presidente iniciou a abertura, é claro que ele se preparou para todas as consequências. Haja o que houver, o Brasil vai continuar, e vai continuar funcionando. Só que a Oposição não vai vencer. Em particular na Paraíba, a oposição não tem jeito”. Delfim Netto, como se constata, cravou ali um prognóstico certeiro, que foi confirmado nas urnas.