Nonato Guedes
Protagonista de denúncias que tiveram repercussão nacional sobre “incidente” ocorrido na sua agenda de campanha como candidato a prefeito de João Pessoa pelo Podemos, o deputado federal Ruy Carneiro precisa tomar cuidado com sua estratégia para não fazer do caso um exclusivo cavalo de batalha na disputa, desviando-se do foco na discussão dos problemas da população e na apresentação de propostas viáveis de solução, na esfera da competência municipal. A denúncia foi grave sobre o episódio em que teve que cancelar evento por suposta intimidação de pessoas ligadas ao tráfico de drogas na periferia da Capital paraibana, mas o deputado teve a solidariedade do presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP-AL) e também se mobilizou em sua defesa a presidente nacional do seu partido, Renata Abreu, para amplificar a dimensão das acusações. De sua parte, o deputado-candidato procura reunir elementos para comprovar que organizações criminosas estão interferindo no processo eleitoral pessoense este ano. Esses elementos podem instruir ações de órgãos competentes como a Polícia Federal.
O governador do Estado, João Azevêdo (PSB), que apoia a candidatura do prefeito Cícero Lucena, do PP, à reeleição, já havia se colocado à disposição para acionar o esquema de Segurança Pública com vistas a apurar os fatos e encaminhar indicativo de providências, mas até o momento não há evolução nas investigações oficiais e o próprio chefe do Executivo considerou que surgiram versões desencontradas em torno do cancelamento da agenda de campanha do candidato do Podemos. O prefeito Cícero Lucena, falando, ainda ontem, a uma emissora de rádio, buscou desqualificar as denúncias do antigo aliado político e exigiu elementos concretos para uma investigação, além das insinuações que têm sido feitas. Desmentiu categoricamente que, por sua orientação, pessoas vinculadas a organizações criminosas estejam exercendo posições de destaque na administração da Capital e cobrou mais responsabilidade de Ruy Carneiro nas acusações, que foram extensivas à sua família. Cícero enfatizou que não deixará acusação sem resposta, ao mesmo tempo em que ironizou críticas assacadas por Carneiro a alegados pontos vulneráveis de sua gestão à frente dos destinos de João Pessoa, em setores estratégicos como o de infraestrutura.
O assunto foi reverberado num debate da TV Arapuan entre candidatos a vice-prefeito, quando a perita policial Amanda Mello, da chapa de Ruy, invocou seu conhecimento dos meandros do crime organizado para chamar a atenção quanto à gravidade das denúncias e à necessidade de sua apuração com transparência e isenção. Mesmo adversários de Ruy reconhecem a situação de gravidade do que tem sido denunciado – e já vinham pipocando na mídia notícias sobre ampliação dos tentáculos do tráfico de drogas na Grande João Pessoa, inclusive, demarcando áreas e territórios onde candidatos a prefeito nas eleições deste ano podem ou não penetrar para fazer mídia e cumprir agendas de campanha. Na prática, as medidas que se impunham, em caráter preliminar, foram tomadas, restando a expectativa quanto aos desdobramentos do que for ou não apurado. Ao insistir na tecla, tanto em declarações à imprensa como nas falas para o público interno, Ruy dá a entender que quem tentou prejudicá-lo acabou dando de bandeja, à sua campanha, um filão a ser explorado na estratégia reconhecidamente declarada de tentar desgastar a administração de Cícero Lucena. Faz parte da tática de Ruy, igualmente, assegurar espaços de visibilidade que lhe proporcionem condições para polarizar a disputa eleitoral em João Pessoa com o atual ocupante do Centro Administrativo Municipal. Essa polarização é cortejada, ansiosamente, por dois outros candidatos de expressão – o deputado estadual Luciano Cartaxo, do PT, que já foi prefeito duas vezes, até 2020, e o ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Marcelo Queiroga.
Em relação ao estilo adotado pelo deputado Ruy Carneiro, analistas políticos dizem detectar uma tentativa de sua parte no sentido de promover um “acerto de contas” contra Cícero Lucena, por “Senas acumuladas” que até hoje não foram suficientemente esclarecidas à opinião pública e que provocaram o rompimento no alinhamento entre os dois. Ruy foi íntimo da casa do prefeito Cícero Lucena, convivendo de perto com seus familiares, como atestou, em depoimento, o deputado federal Mersinho Lucena, filho do atual gestor da Capital. Outros aliados ciceristas preferem identificar em Ruy Carneiro “sinais de desespero” pela dificuldade concreta que estaria enfrentando, do ponto de vista logístico, para consolidar posição de vantagem no páreo à prefeitura nas eleições deste ano. Esta é a terceira tentativa do deputado federal em ascender à cadeira ocupada por Cícero Lucena. Na primeira, em 2004, foi desbancado por um líder emergente, o então deputado estadual Ricardo Coutinho, que conquistou o mandato e a reeleição em 2008, elegendo-se, na sequência, ao governo do Estado em 2010 e reelegendo-se em 2014. A segunda vez de Ruy foi em 2020 quando cravou o melhor desempenho, ficando em terceiro lugar de mil votos de diferença do segundo colocado, Nilvan Ferreira, então MDB. Agora, ele parte para uma batalha que pode ser decisiva na sua trajetória política e, particularmente, na ambição pessoal de se eleger chefe do executivo da população de João Pessoa.
Como parlamentar, Ruy Carneiro não faz a “linha ideológica” nem participa de grandes debates sobre questões de repercussão nacional. Entrou na mídia, ainda assim, como um dos coautores da chamada Lei Seca, que foi aplaudida diante da violência no trânsito nas cidades brasileiras. Em relação ao foco voltado para a Paraíba, desenvolve um trabalho assistencialista, na base de destinação de recursos provenientes de emendas individuais ou de bancadas para instituições ecléticas, mas, em sua maioria, ligadas ao segmento da saúde, beneficiando hospitais de João Pessoa e Campina Grande. Não chega a ser declaradamente um parlamentar bolsonarista, mas não tem qualquer aproximação com o PT ou com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sem ter sido prefeito da Capital, considera-se um “especialista” no apontamento de problemas estruturais ou insolúveis, mas não consegue aprofundar o teor de suas propostas para além do demagogismo de que fará diferente. É um político respeitado pela influência que detém junto a parcelas do eleitorado, mas ainda luta para ser realmente competitivo. Abstraindo as denúncias de intimidação, que devem ser apuradas, com punição de responsáveis, Ruy está devendo propostas mais criativas e mais confiáveis para promover a “mudança” que ele diz ser necessária na realidade de João Pessoa.