Nonato Guedes
Uma reportagem da revista “Veja” desnuda com exatidão o personagem que, nas pegadas do ex-presidente Jair Bolsonaro, está bagunçando a disputa eleitoral para prefeito de São Paulo: o “coach” ou influenciador digital Pablo Marçal, do PRTB, que com golpes baixos e lacração, sobe nas pesquisas, desnorteia adversários e ameaça pretensos favoritos como o deputado federal Guilherme Boulos, do PSOL, apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato aparentemente apoiado por Bolsonaro, além da deputada Tábata Amaral, do PSB. O fenômeno ganha força na esteira da nacionalização da disputa pela maior cidade do país, que é encarada como uma espécie de tira-teima entre Lula e Bolsonaro. Marçal é descrito como um barulhento outsider, pouco conhecido até então no mundo da política e apoiado por um partido pequeno – ingredientes além da medida para não serem levados em conta, até começarem a chamar a atenção e ganhar espaço. Apresenta-se com propostas exóticas, conhecimento raso sobre a metrópole e uma extensa ficha de rolos na Justiça (são mais de 100 processos. Mas virou a sensação do pleito.
Na reportagem sobre ele, a “Veja” informa: “No pleito deste ano, Pablo Marçal passou a representar uma nova e perigosa encarnação de um candidato antissistema ao desnortear adversários com golpes baixos, mentiras e uma campanha maciça nas redes sociais, que sempre foi seu território predileto e com que demonstra grande intimidade. Embora alguns concorrentes enxergassem Marçal no início como alguém que só faria alguma marola na disputa, a campanha do “coach” parece um tsunami. Conforme levantamento da AtlasIntel de quarta-feira, 21, ele passou de 11,4% das intenções de voto para 16,3% em poucas semanas. Com isso, diminuiu a distância para os líderes Nunes e Boulos – os dois oscilaram para baixo. Dois outros novos levantamentos confirmaram o cenário. Segundo o Datafolha, Boulos lidera, com 23%, enquanto Marçal passou para a segunda colocação, com 21%, superando numericamente Nunes, que tem 19%. Os três estão empatados dentro da margem de erro de três pontos. No Paraná Pesquisas, divulgado na sexta, 23, Nunes ainda está na frente (24,1%), seguido por Boulos (21,9%) e Marçal (17,9%). Enquanto os dois líderes caíram, o coach cresceu mais de cinco pontos”.
O candidato-revelação não demonstra nenhum constrangimento pelo currículo da pesada que ostenta. Marçal circula hoje por São Paulo com ares de popstar, com carros buzinando quando ele está nas ruas e fãs imitando o gesto com três dedos de forma a emular o “M”, que virou sua marca registrada. A “Veja” revela que se trata de um espetáculo patético, galhofeiro e sem qualquer conteúdo, uma imagem mais comum em programas de auditório do que na disputa para prefeito da maior cidade do país, mas que vem ganhando corpo nas pesquisas e nas redes. Na internet, empresas como o Mercado Livre vendem cópias de bonés usados por ele na campanha. As meninas que o seguem, não por acaso, foram apelidadas de “marçaletes”. Wilson Pedroso, coordenador da campanha, afirma: “É um fenômeno espontâneo, nunca vi nada igual. Os eleitores não querem mais o político tradicional”. Aparentemente, Marçal diz que não vai usar verba do fundo eleitoral, até porque o PRTB não dispõe de um caixa vultuoso, não vai fazer doações por meio de suas empresas e só vai receber doações “dos outros”. Até a última quinta-feira, 22, a campanha tinha arrecadado pouco mais de 550 mil reais, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral.
Pablo Marçal nasceu em Goiânia, capital de Goiás e chegou a cursar o bacharelado em direito, mas nunca exerceu a profissão. Quando ainda trabalhava como atendente em um call center, começou a faturar com conselhos de prosperidade dados aos colegas. Posteriormente, fez fortuna vendendo livros, e-books, cursos de autoajuda e mentorias que ensinam desde como ganhar dinheiro na vida até como ter uma vida pessoal equilibrada, manter bons hábitos alimentares e cultivar um casamento longevo. Ao todo, assegura já ter escrito mais de cinquenta livros e declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio de 169 milhões de reais, o triplo da soma de todos os seus rivais. O programa de governo é tão raso quanto sua cartilha de autoajuda, com propostas confusas e extravagantes, como a de construir o prédio mais alto do mundo. Na verdade, sua única e perigosa plataforma é antipolítica, disseminada por ele nas redes sociais. Uma réplica à adversária Tábata Amaral, em um minuto recheado de ataques pessoais à deputada, ao presidente Lula, à ex-presidente Dilma Rousseff e à imprensa atingiu quase 9 milhões de visualizações no TikTok. O coach não é apenas um problema hoje para os adversários. Para uma cidade com gigantescos problemas e desafios como São Paulo, Pablo Marçal é uma grande ameaça.
Diante das investidas e da ascensão de Marçal, as campanhas de Ricardo Nunes e Guilherme Boulos estão desnorteadas. A primeira tentativa de neutralizar o coach em debate foi desastrosa, com os marqueteiros de Nunes, Boulos e José Luiz Datena combinando literalmente fugir do confronto ás vésperas do evento realizado por “Veja” na segunda, 19. As campanhas dos principais candidatos, o prefeito e seu opositor de esquerda, haviam assinado um termo de participação e concordado com todas as regras do encontro. Desastroso para ambos, o movimento foi encabeçado por Duda Lima, marqueteiro do prefeito, e criticado por alas importantes da campanha pelo amadorismo da decisão. O resultado da tática? Pablo ficou ainda mais à vontade para atacar a dupla Nunes e Boulos. Na ocasião, Tábata Amaral confrontou com firmeza o coach, enfatizando em vários momentos o vazio de ideias do adversário. Saiu de lá vencedora e subiu, ainda que discretamente, nas pesquisas. Os outros perderam pontos nas pesquisas posteriores. Marçal pode acabar sendo um blefe do ponto de vistas eleitoral no decorrer da campanha, tese improvável hoje, mas pode sair consagrado. E, aí, surge uma ameaça maior: versões dão conta de que, eleito prefeito, ele vai se sentir atraído pela hipótese de concorrer em 2026 à Presidência da República, ocupando o espaço da direita, de Bolsonaro e de Tarcísio de Freitas. Um problemão com que as raposas políticas tradicionais não esperavam se defrontar desde agora.