Nonato Guedes
Um presidente Luiz Inácio Lula da Silva diferente, mais afetivo e generoso no trato com o governador João Azevêdo (PSB), foi o que se viu, ontem, nas agendas que o chefe da Nação cumpriu na Paraíba, surpreendendo e desorientando líderes petistas locais, que apostavam numa atitude mais fria ou formal por parte dele. Ao invés, Lula foi extremamente receptivo em relação ao encaminhamento de projetos executados em parceria com a administração estadual, assumiu o compromisso de resolver demandas que estão pendentes e derramou-se em elogios aos governadores nordestinos dos últimos quinze anos, considerando-os protagonistas da melhor safra de gestores da região nesse período. Loquaz, o presidente contou, emocionado, detalhes da sua vida pessoal para ilustrar exemplos que, a seu ver, devem ser seguidos e ofereceu lições do intenso aprendizado político que tem vivenciado e que apontam, conforme admitiu, para a necessidade constante do diálogo na vida pública, respeitando-se opiniões e convicções distintas. Nas palavras do governador, foi um dia histórico para a Paraíba, com o anúncio de mais parcerias e investimentos do governo federal.
O figurino contrastou inteiramente com a fotografia da última e até então única visita do presidente à Paraíba em seu terceiro mandato, quando foi a Santa Luzia participar da inauguração de um empreendimento da iniciativa privada – evento no qual chegou mudo e saiu calado. Desta feita, no Centro de Convenções, perante um público expressivo e eclético, Lula deitou falação sobre os mais diferentes assuntos, só não abrindo mão de recorrer a alegorias, um traço característico das suas falas nos mandatos exercidos e que servem de escape para ilustrar conceitos e opiniões categóricas que o mandatário gosta de expender. Foi assim que ele se referiu várias vezes à importância da Educação para o crescimento pessoal e até como instrumento para combater a violência doméstica contra as mulheres, citando que não teve condições para avançar nesse campo mas que se obstinou, como presidente, a semear ou disseminar universidades, institutos federais e outros centros avançados de ensino que contribuam para formar gerações, incumbidas, estas, de promover o desenvolvimento socioeconômico do país e a melhoria das condições de vida da população brasileira.
A peculiaridade da postura do presidente da República, detectada por analistas políticos variados, está no fato de que ele visitou o Estado da Paraíba em pleno ano eleitoral e cumpriu extensa agenda na Capital, onde o seu partido, o PT, lançou candidatura própria, na figura do deputado estadual Luciano Cartaxo, para dar combate ao prefeito Cícero Lucena (PP), apoiado pelo governador João Azevêdo. Mas além do enredo sinalizar postura de maturidade de Lula nas relações interpessoais, no universo político, sobressaiu a evidência de que em torno dele misturavam-se políticos de partidos variados, como o senador Veneziano Vital do Rêgo, do MDB, a senadora Daniella Ribeiro, do PSD, o deputado federal Hugo Motta, do Republicanos, o deputado Aguinaldo Ribeiro, o vice-governador Lucas, ambos do PP, e o deputado federal Luiz Couto, do Partido dos Trabalhadores. Esses parlamentares constituem a base de apoio ao governo Lula na Câmara dos Deputados – e o presidente aproveitou para reiterar agradecimento que já havia feito em reunião com alguns deles em Brasília, pela aprovação de matérias de interesse do Planalto, entre as quais a reforma tributária, relatada por Aguinaldo Ribeiro.
No momento em que se dirigiu aos políticos para agradecer-lhes a colaboração, o presidente Lula traçou uma rápida análise da conjuntura em que governa o país, com minoria do seu partido, o PT, no Congresso Nacional. A digressão possibilitou o reconhecimento, pelo mandatário, de que a chamada governabilidade não teria sido assegurada até agora se não houvesse a “concertação” de forças para apoiar os projetos do Executivo, superando divergências pontuais ou episódicas. Essa realidade parece ter fortalecido no presidente Lula o convencimento de que o entendimento precisa ser cultivado de forma permanente, mediante a discussão, exaustiva até, de conteúdos de matérias aparentemente controversas que são agitadas em plenário e que em muitos casos podem emanar do próprio Palácio do Planalto. A reforma tributária e o arcabouço fiscal, como se sabe, demandaram negociações demoradas envolvendo não apenas os líderes políticos, mas representantes do governo federal, expoentes do empresariado e intérpretes de sentimentos da sociedade civil. O desfecho foi a construção de consensos valiosos para aprofundamento desses temas.
Ao contornar o anúncio de posicionamento político pessoal em relação à disputa pela prefeitura de João Pessoa, o presidente da República intentou não apenas prevenir-se para não infringir dispositivos da Lei, ainda que subjetivamente ou subliminarmente, mas, ao mesmo tempo, poupar-se de contribuir para o agravamento de conflitos que ele sabe existirem, já em caráter de radicalização, à medida que avança o calendário eleitoral. Em falas a jornalistas, o presidente Lula chegou a mencionar que tem candidato em João Pessoa, que é Cartaxo, do seu partido, mas ressaltou a liberdade do governador João Azevêdo de ter suas preferências, bem como de outros políticos da base do governo federal. Segundo analistas políticos, foi uma estratégia inteligente do presidente Lula com vistas a abrir portas para o futuro, mais precisamente para as eleições de 2026, encaixando o próprio PT em uma nova realidade. Na Paraíba, como se sabe, expoentes petistas que combatem o governador pecam pelo açodamento e pelo amadorismo nas suas táticas, o que não é compartilhado, teoricamente, por Lula, calejado de tantas batalhas.