Nonato Guedes
Três candidatos a prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo (PT), Marcelo Queiroga (PL) e Ruy Carneiro (Podemos) ensaiaram um movimento incoerente, ontem, dadas as diferenças e rivalidades que demonstram na campanha eleitoral em curso para se unirem em prol de uma causa teoricamente válida: a denúncia sobre a interferência de facções criminosas no andamento da disputa, supostamente coagindo e intimidando eleitores e, ao mesmo tempo, bloqueando a liberdade de ação dos postulantes e agentes políticos. O que causou surpresa foi o inusitado da união dos três, que já trocaram acusações pessoais em debates e que, coincidentemente, oscilaram com baixos percentuais de intenção de voto em pesquisas divulgadas sobre tendências para o pleito deste ano. A denúncia sobre fatos graves poderia ser feita isoladamente pelos três, ainda que simultaneamente, e certamente não deixaria de repercutir junto à opinião pública e às autoridades competentes. Mas, da forma como os fatos foram orquestrados, restou patente a impressão de um esforço desesperado para produzir fatos novos na campanha e abalar a liderança do prefeito Cícero Lucena (PP) no páreo.
A credibilidade quanto a denúncias de atuação de facções criminosas decorre do fato de que uma operação da própria Polícia Federal comprovou derrame de dinheiro vivo e recolheu documentos e elementos aparentemente comprometedores sobre envolvimento de ativistas políticos em ações de aliciamento de votos. Mas daí a responsabilizar-se o prefeito Cícero Lucena ou o seu “staff” pela prática de irregularidades vai uma certa distância, agravada pela inexistência de provas veementes ou o=contundentes que possam incriminá-lo. Dá-se, ainda, que investigações policiais acerca de fatos anômalos na campanha estão sendo conduzidas sob sigilo, sem transparência, o que invalida meras suposições eventualmente formuladas. Somente uma apuração rigorosa, criteriosa e minudente nos detalhes poderia atestar situação de tensão pré-eleitoral, embasando, mesmo, a justificativa de apelos por tropas federais para garantir a ordem pública na realização propriamente dita das eleições, no início de outubro. A “espetacularização” de ontem, sem provas materiais mais consistentes, confunde e surpreende a população, em si mesma sobressaltada com a escalada diária de violência nos grandes centros urbanos.
É verdade que lá atrás, praticamente no início da campanha, o candidato Ruy Carneiro sentiu-se hostilizado pelas tais facções ligadas ao tráfico de drogas em logradouros da Capital onde cogitava realizar eventos e que acabaram sendo inviabilizados. Também é verdade que as denúncias sobre ação de grupos marginais se estendem a outras cidades da região metropolitana de João Pessoa, tais como Cabedelo e Bayeux, tendo motivado posicionamento de juízes do Tribunal Regional Eleitoral junto ao TSE para o deferimento do envio de tropas federais. Esse reforço não deve ser descartado, sobretudo à medida que se aproxima o período para manifestação de voto dos eleitores, e a versão que se tem é de análise acurada por parte dos órgãos competentes e das autoridades incumbidas, legalmente, de oferecer segurança à população. Não se vislumbra a possibilidade de que autoridades fiquem indiferentes a uma possível situação de anormalidade, se isto vier a se caracterizar, até porque não é este o procedimento-padrão já adotado em outras temporadas eleitorais com acirramento de ânimos dentro da tática de ascensão e conquista de espaços de poder por candidatos.
A incoerência na ação dos candidatos em prol de unidade decorre do fato de que, entre eles, o clima verificado desde a deflagração da campanha de 2024 é de emulação ou de confronto. Basta tomar como exemplo os casos das candidaturas do deputado estadual Luciano Cartaxo e do ex-ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Ambos tentam reproduzir, em âmbito municipal, o fenômeno da polarização Lula versus Bolsonaro que se observa nas metrópoles do Sul do país, através de candidatos apoiados ou vinculados aos dois líderes nacionais, que são açulados ao embate constante, sem trégua, como parte da estratégia para convencimento de eleitores, sobretudo as parcelas indecisas que em algumas Capitais alcançam chegam a ser majoritárias no comparativo com as declarações propriamente ditas de intenção de voto. De repente, por causa de um episódio local, Cartaxo e Queiroga dão-se as mãos, esquecem divergências, apresentam-se como paladinos da salvação da democracia em cujo seio disputam a prefeitura.
Há, por trás dos acontecimentos, o empenho para provocar a perspectiva de um segundo turno em João Pessoa, tendo em vista que, dependendo da evolução das pesquisas de institutos especializados, essa possibilidade não está no radar, abrindo-se para o atual prefeito Cícero Lucena a chance de liquidar a fatura no primeiro turno, a seis de outubro. Um segundo turno, como costumam repetir os analistas políticos, é sempre uma nova eleição – e na Paraíba mesmo, em disputas para o governo do Estado, houve casos de reviravoltas que projetaram à vitória nomes até então posicionados em situação inferior nos embates político-eleitorais travados. Cartaxo, Queiroga e Carneiro lutam para forçar mudanças radicais no cenário de disputa à prefeitura da Capital e essa tática comporta movimentos como de ontem. A questão é saber, na hipótese de um segundo turno, se o ungido para a rodada decisiva agregará apoio automático dos que constaram da fotografia improvisada para caracterizar a denúncia de insegurança no processo eleitoral pessoense. A conferir!