Nonato Guedes
Como definiu, ontem, com propriedade, uma fonte política influente nos escalões de poder em Brasília, a eleição do deputado paraibano Hugo Motta (Republicanos) à presidência da Câmara Federal ainda é uma construção e nem de longe traduz-se em sagração. Não somente porque o pleito ainda está distante (vai se ferir em fevereiro de 2025) como porque outras ambições idênticas estão sendo agitadas no colegiado de 513 parlamentares e há compromissos de compensação que ainda não estão “amarrados” pelo deputado da região de Patos. No paralelo, Motta já entrou na linha de tiro dos adversários, assumidos ou ocultos, o que quer dizer que começa a conhecer de perto a outra face da moeda – o desgaste, refletido no moedor de carne que raposas políticas experientes sabem orquestrar quando querem queimar um concorrente. Tal se deu, ontem, com notícias sobre operação policial na terra do parlamentar, cuja prefeitura é administrada por seu pai, ainda que não tenha havido comprovação de envolvimento direto seu em irregularidades.
O jogo em Brasília é pesado, sobretudo, nos bastidores, que constituem verdadeiras fábricas de “dossiês” para desqualificar políticos em ascensão, e o deputado Hugo Motta, que conviveu de perto com o ex-presidente Eduardo Cunha, mentor do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, tem plena consciência do enredo e das consequências que o “vale-tudo” produz no sentido de abater carreiras e fulminar reputações. Na Capital Federal é comum acusar-se primeiro, com ampla divulgação na mídia, para depois apurar-se – e, nesse ínterim, imagens se desvanecem na voragem de insinuações e especulações de toda ordem, que inescapavelmente encontram guarida na mídia, sempre ávida por novidades, de preferência por escândalos que repercutem ou que atraem a curiosidade alheia. Ainda agora, no círculo palaciano, em tempo recorde, voou pelos ares a história do ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, pilhado em denúncias de assédio moral e assédio sexual que lhe custaram o cargo antes que pudesse apresentar a sua defesa. Hoje, o ex-ministro circula como zumbi em Brasília, tentando juntar os fios de um arremedo de reação para limpar sua imagem, mesmo tendo atravessado, segundo todos os indícios, um caminho sem volta.
Em relação à candidatura do deputado Hugo Motta à sucessão de Arthur Lira a verdade é que ela irrompeu como um cometa nos céus de Brasília, desbancando postulantes que já vinham fazendo a costura de pretensões nos bastidores, a exemplo de Elmar Nascimento, do União Brasil da Bahia e de Antonio Brito, do PSD, também da Bahia. A mídia cravou que Motta era o candidato da preferência do atual presidente Arthur Lira (PP-AL) e que teria, também, o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a simpatia do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Desse ponto de vista, encastelado numa privilegiada zona de conforto, Motta não seria propriamente eleito porque já estaria teoricamente nomeado ou ungido para alçar a um dos mais cobiçados postos da hierarquia de poder da República. Os registros de encontros seus com Lula, que chegou a se espantar com sua idade, e com Bolsonaro, que o considerou talhado para a presidência da Câmara, completavam o “script” da sua sagração vendido à mídia. Aí, o processo começou a desandar.
Nas últimas horas, a presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, deputada Gleisi Hoffmann (PR) afirmou, em telefonema a Elmar Nascimento, que a legenda não fechou questão em torno de nenhuma candidatura ao comando do Legislativo e que ainda se reuniria oficialmente para tomar posição diante do cenário real que estiver posto. Por sua vez, o presidente da Câmara, Arthur Lira, que luta para não perder o controle da própria sucessão, depois de ungido duas vezes ao cargo, esclareceu que na reunião com líderes partidários não se comprometeu com candidato à sua cadeira. Do Palácio do Planalto, interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmaram que o chefe do Executivo não cogita interferir no processo de eleição da Mesa Diretora da Câmara por considerar uma questão do interesse dos deputados. Esse posicionamento do presidente da República seria reforçado pela constatação de que o seu partido, o PT, não tem candidato à presidência, por não ter forjado nomes para não atrapalhar a base de apoio ao governo que se espalha por outras siglas, inclusive, as que militam no chamado Centrão, agrupamento fisiológico que tem feito história dentro do Parlamento.
O deputado Hugo Motta, seguramente, mantém-se no páreo como postulante à presidência da Câmara Federal, mas deve alterar sua estratégia de campanha, que terá menos holofotes e mais bastidores – afinal, é neste território que as decisões concretas são firmadas e aliançadas, com acordos e interesses que muitas vezes fogem ao conhecimento da mídia intimorata, que só vai desvendar os meandros na evolução das pautas que forem votadas no plenário da Câmara dos Deputados. O parlamentar paraibano tem credenciais que o recomendam ao exercício do cargo, como o livre trânsito junto a diferentes bancadas e o estilo moderado que faz dele um negociador respeitado, conhecido pela característica de cumprir a palavra empenhada, ou seja, os acordos celebrados. Mas precisará gastar mais a habilidade política que lhe é atribuída para sobreviver em meio à selva política que domina o país desde que o Congresso avocou-se poderes extraordinários na conjuntura institucional brasileira.