Nonato Guedes
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva proferiu, ontem, um discurso corajoso, de “estadista”, diante de líderes mundiais, ao abrir o debate de chefes de Estado da septuagésima nona Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Ele abordou temas prementes da realidade atual, como a questão do meio ambiente, reiterou a defesa da democracia e apontou a urgência da reforma do Conselho de Segurança da ONU, defendendo uma representação mais justa para países emergentes. Lula sublinhou a importância de ações concretas contra a crise climática, enfatizando que se trata de um desafio coletivo, e disse que o governo brasileiro não apenas enfrenta essa crise mas também luta contra aqueles que lucram com a degradação ambiental. Para ele, os líderes mundiais têm circulado sem rumo nas busca por soluções para os problemas globais, resultando em ações ineficazes, o que torna necessário um enfrentamento mais corajoso e afirmativo que tenha consequências positivas. Mencionou o Pacto para o Futuro, um documento destinado a fortalecer a cooperação internacional, e alertou que a crise da governança global exige transformações estruturais, uma responsabilidade que cabe à Assembleia Geral, representando o multilateralismo.
O Pacto pelo Futuro, firmado na segunda-feira, 23, conforme ele expressou, “demonstra o enfraquecimento da nossa capacidade coletiva de negociação e diálogo. “Seu alcance limitado também é a expressão do paradoxo do nosso tempo: andamos em círculos entre compromissos possíveis que levam a resultados insuficientes. Nem mesmo com a tragédia da covid-19, fomos capazes de nos unir em torno de um Tratado sobre Pandemias na Organização Mundial da Saúde. Precisamos ir muito além e dotar a ONU dos meios necessários para enfrentar as mudanças vertiginosas do panorama internacional”, alertou o presidente brasileiro. Seis países decidiram não aderir ao documento, entre os quais a Argentina, embora o Pacto aborde compromissos em temas como o desenvolvimento sustentável, paz e segurança internacional. A expectativa era por uma aprovação consensual, mas como destaca a mídia a resistência da Rússia expôs, mais uma vez, a escalada de tensão entre as grandes potências mundiais e o enfraquecimento de organismos como a ONU. Além de Argentina e Rússia, Venezuela, Nicarágua, Coréia do Norte e Belarus não assinaram o Pacto. Outros 197 países, incluindo o Brasil, foram favoráveis à medida.
Lula condenou os conflitos entre a Ucrânia e a Rússia, bem como a ofensiva israelense contra o povo palestino, e relembrou conflitos esquecidos no Sudão e Iêmen. Chamou atenção para o fato de que 2023 “ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial” e criticou a elevação dos gastos militares globais, citando que mais de US$ 90 bilhões foram mobilizados com arsenais nucleares. “Esses recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima. O que se vê é o aumento das capacidades bélicas. O uso da força, sem amparo no Direito Internacional, está se tornando a regra. Presenciamos dois conflitos simultâneos com potencial de se tornarem confrontos generalizados (…) e o recurso a armamentos cada vez mais destrutivos traz à memória os tempos mais sombrios do confronto estéril da Guerra Fria”, salientou Luiz Inácio Lula da Silva. Mais na frente, ressaltou que as mudanças climáticas e ambientais acontecem em ritmo acelerado e que o planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos, cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres (…) enquanto o negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global. Comentou que ante a crescente polarização pelo mundo, expressões como “desglobalização” se tornaram corriqueiras, mas que é impossível “desplanetizar” a vida em comum que ocorre no âmbito das sociedades.
De acordo com Lula, a América Latina vive nos últimos dez anos uma “segunda década perdida”, com um crescimento médio no continente de apenas 0,9%, metade do verificado na década perdida de 1980. Essa combinação de baixo crescimento e altos níveis de desigualdade resulta em efeitos nefastos sobre a paisagem política. “Tragada por disputas, muitas vezes alheias à região, nossa vocação de cooperação e entendimento se fragiliza. É injustificado manter Cuba em uma lista unilateral dos Estados que supostamente promovem o terrorismo e impor medidas coercitivas unilaterais, que penalizam indevidamente as populações mais vulneráveis. No Haiti, é inadiável conjugar ações para restaurar a ordem pública e promover o desenvolvimento. No Brasil, a defesa da democracia implica ação permanente ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias, que espalham o ódio, a intolerância e o ressentimento”, acentuou.
Por fim, Lula reforçou a mensagem de defesa da democracia, adotada pelo governo federal desde o episódio da destruição dos prédios dos Três Poderes em Brasília em janeiro de 2023 e, sem citar nomes, mandou um recado a Ellon Musk, que se encontra em uma queda de braço com o Judiciário brasileiro, e a “falsos patriotas e isolacionistas”. Enfatizou Lula, na ONU: “Brasileiras e brasileiros continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. A democracia precisa responder às legítimas aspirações dos que não aceitam mais a fome, a desigualdade, o desemprego e a violência”. O futuro da região, frisou Lula, passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação; que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei”. Lula concluiu que a liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras e defendeu que a inteligência artificial seja uma tecnologia mais democrática e que possa refletir a diversidade cultural do Sul Global. “E, sobretudo, que seja ferramenta para a paz, não para a guerra”, sentenciou.