Nonato Guedes
Às vésperas da realização do primeiro turno das eleições municipais, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem dado entrevistas em que alerta para a influência do crime organizado no pleito, bem como sobre a agressividade por parte de candidatos em debates que são promovidos por veículos de comunicação. Uma entrevista da ministra ao “Globo” foi praticamente um libelo contra a distorção da legitimidade do processo político-eleitoral no país e ela aproveitou para informar que a Justiça está efetuando um cruzamento de dados para identificar candidatos ligados a organizações criminosas. A democracia – justifica – exige vigilância constante e, pelas palavras da ministra, estaria se formando um cenário bastante grave, com criminosos querendo formular leis na atual conjuntura.
O cenário é grave, particularmente, considerando a ousadia do crime de querer ser o formulador de propostas que dizem respeito à sociedade, na avaliação da dirigente do TSE. “Há um risco real de que esse comportamento se estenda às instâncias estaduais e até nacionais. E é muito grave esse atrevimento criminoso”, insiste Cármen Lúcia. De acordo com ela, o TSE está implementando uma estratégia de segurança para o dia das eleições, com juízes designados, em todos os municípios, e apoio das Forças Armadas onde houver necessidade. Em relação ao elevado número de casos de violência política que têm sido registrados e denunciados no território nacional este ano, a ministra Cármen Lúcia destaca a importância de entender as causas desses ataques e sugere uma reformulação nas abordagens para garantir um ambiente seguro. “É preciso saber a causa: é só eleitoral ou houve um aumento da violência na sociedade?”, indaga a presidente do TSE.
Para ela, os números são alarmantes. “Precisamos de uma resposta diferente, pois as abordagens atuais têm se mostrado ineficientes. Essa situação requer uma reformulação institucional, procedimentos mais eficazes e mudanças na legislação. O Estado deve agir de forma a reduzir a violência, e isso deve ser comprovado estatisticamente”, defendeu. Cármen Lúcia também foi enfática ao criticar a cultura de impunidade, bem como a agressividade que tem se verificado em debates entre candidatos nas eleições de 2024. Depois de lembrar que cabe ao Estado garantir a pacificação social, a ministra indagou: “Se o Estado existe para garantir a pacificação social, como pode alguém que se apresenta de forma agressiva ser um pacificador quando assumir o cargo? A pessoa que trabalha o dia inteiro quer chegar em casa, assistir a um debate esperando ver propostas para a sua cidade e aí assiste a um pugilato? Não é aceitável. A legislação pune toda forma de agressão. É preciso que essa legislação seja cumprida com rigor”. Cármen também alertou para os perigos da desinformação e a necessidade de regulamentação de dispositivos que possibilitem, efetivamente, o combate a fraudes.
– O corte descontextualiza e pode desinformar. Comprovada a desinformação, está na regra geral (que prevê punição). A novidade é o procedimento. Provavelmente, vamos ter um tratamento específico para as próximas eleições. Foi o primeiro momento em que nós vimos isso acontecer. Sempre vai ter alguém com criatividade e vem o Direito tentar contornar isso – declarou. Ela criticou declarações feitas pelo candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal, do PRTB, insinuando que mulher não vota em mulher porque é inteligente. “Não há nada de inteligente nessa declaração”, replicou Cármen Lúcia em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura. No contraponto, a presidente do TSE argumentou que “inteligente é a pessoa que pensa que homens e mulheres são iguais em direitos” e mencionou que 52% do eleitorado do Brasil é feminino, além de observar que o avanço da participação da mulher nas eleições é um avanço civilizatório.
“Não existe isso de mulher não votar em mulher por qualquer causa. Eu acho que a inteligência está na compreensão de mundo feita de humanos – mulheres e homens. É isso que nós temos e é por isso que temos lutado nós todos. Os seres humanos impõem a inclusão de todas e todos neste processo. Eu não vejo que tenha nada de inteligência nesta observação, no sentido de que alguém não é menos inteligente por votar em quer que seja”, rebateu Cármen Lúcia. A menção infeliz do candidato Pablo Marçal ocorreu durante um debate, em que procurou atingir a candidata Tábata Amaral, do PSB. Em resposta à declaração do concorrente, a deputada federal ressaltou que a afirmação de Marçal foi motivada pela rejeição do eleitorado feminino a ele. A candidata convidou, então, as mulheres a votarem nela para se posicionarem politicamente. Em outras falas, Cármen Lúcia também criticou a postura do X (ex-Twitter), do empresário Elon Musk, no Brasil, e argumentou que o bloqueio ocorreu para fazer valer a lei brasileira, que é soberana. “Num Estado soberano, todos nós, cidadãos, e todos aqueles que atuam aqui, empresas, plataformas, que não deixam de ser empresas, têm que cumprir, sim, a lei do país. É assim em todo lugar e o Brasil não é menor, não é quintal de ninguém, mas, sim, um Estado soberano que precisa ter o seu direito respeitado para se dar o respeito”, finalizou Cármen Lúcia.