Nonato Guedes
Num depoimento a Ludmilla de Lima para a revista “Veja”, a deputada federal Luíza Erundina (PSOL-SP) revela que está cumprindo seu sétimo e último mandato confiado pelo eleitorado paulista. No final de novembro, a parlamentar completa 90 anos de idade e diz que se sente motivada da mesma maneira que aos 20 anos, ou até mais. Natural de Uiraúna, no sertão da Paraíba, com passagem por João Pessoa e atuação como Assistente Social, Luíza Erundina é respeitada como uma guerreira política, que se projetou nacionalmente ao se eleger prefeita de São Paulo na década de 90 pelo Partido dos Trabalhadores. Enfrentou dificuldades e até ameaça de “sabotagem” à sua administração por parte de grupos petistas ou da esquerda, mas se impôs no conceito da sociedade e da representação política, sendo admirada pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sempre reconheceu a sua trajetória coerente, de resistência na defesa dos interesses do povo brasileiro.
Erundina se define: “A política sempre representou a dimensão mais relevante da vida para mim. Nasci no sertão da Paraíba, em uma região tomada pela desigualdade, como tantas do Nordeste. Minha numerosa família – pai, mãe e dez filhos – era obrigada a migrar sempre que havia seca, uma realidade com a qual jamais me conformei. Ainda muito jovem, ficou claro que teria de agir para mudar o cenário. Em vez de repetir o padrão vigente naquela sociedade, em que a mulher se casa cedo e logo se vê rodeada de uma filharada, fiz uma opção diferente, seguindo justamente a trilha da política. É isso o que me alimenta e me inspira, me mantém ativa e me traz juventude”. Embora com militância política centrada em São Paulo e Brasília, Luíza Erundina nunca perdeu a conexão com suas raízes na Paraíba e, sempre que possível, vem a João Pessoa “reabastecer-se” afetivamente. Ela foi interlocutora de figuras que se destacaram em nosso Estado como o falecido arcebispo Dom José Maria Pires, com quem se identificava na defesa das causas sociais e das bandeiras dos segmentos oprimidos. Na restauração das eleições diretas para governadores, na década de 80, Luíza Erundina foi sugerida como candidata da oposição na Paraíba, mas ela mesma avaliou que o espaço deveria ser ocupado por lideranças locais, já que se encontrava afastada há tempo do dia a dia paraibano.
“Cada etapa da vida tem suas características e riqueza. Estou na velhice e, ultimamente, meu coração andou meio irritado. Durante uma reunião da Comissão de Direitos Humanos na Câmara dos Deputados, não faz muito tempo, senti um pouco de falta de ar. Na condição de relatora, estava em meio à defesa de um projeto de lei da deputada Maria do Rosário (PT-RS). A ideia era colocar nomes de vítimas da ditadura militar em logradouros públicos, para honrar suas memórias. Havia ali uma claque da direita bolsonarista, que teve uma atitude hostil com os parlamentares de nosso campo. Quando me dei conta, estava passando mal. Fui, então, socorrida pela assistência médica da Casa, que achou por bem me encaminhar a um hospital de Brasília. Tive covid-19 e algumas sequelas da doença permanecem até hoje. Naquele momento, elas se manifestaram com certa gravidade e, por isso, precisei ficar internada por dois dias na unidade de terapia intensiva. Mas já estou recuperada e muito bem, pronta para brigar pelo que acredito”. Brigona, ela sempre foi, como quando teve de enfrentar hostilidades do PT por ter aceito um cargo com status de ministério no governo de Itamar Franco. Ou quando decidiu deixar os quadros petistas por incompatibilidades, sem, no entanto, abandonar o campo da esquerda em que sempre atuou.
Luíza Erundina afirma que o muito lhe entristece é ver que o ambiente no Congresso Nacional não é mais aquele de alguns mandatos atrás – hoje, é de ódio e intolerância. “Como educadora e assistente social, sei que também tenho responsabilidade sobre isso. E acho que um bom caminho para sair dessa situação é a conexão com a juventude. Me sinto bem aceita pela turma mais nova e quero que acompanhem meu trabalho e se interessem pela política. Mas percebo que está faltando um encantamento. Uma vida dedicada a esse tipo de atividade pressupõe cultivar um sonho que seja maior do que a própria trajetória. Precisa ser algo grande, num patamar diferente. Em meu caso, a luta é em tempo integral, buscando contagiar os outros – em permanente processo pedagógico lado a lado com a juventude. O sentido da minha vida é conviver com gente de diferentes idades, procurando o que nos une. É assim que sou feliz e me realizo. Neste meu mandato, tudo o que os outros deputados fazem, eu faço. Vou e volto toda semana de Brasília e, às vezes até extrapolo. Gosto muito de música, de ler e de visitar os amigos. Não sou daquelas que preferem ficar sozinhas. Claro que tenho minhas limitações, mas mantenho a energia e a disposição para tocar a vida em frente e trabalhar por aquilo em que acredito. A campanha à prefeitura da capital paulista está me permitindo retornar às bases, ir a comunidades que há tempos não visitava e onde as pessoas me reconhecem. Essa acelerada dinâmica eleitoral, que se tudo der certo vai levar ao governo, renova meu ânimo. E isso não é fantasia, não; quando a tarefa é desafiadora, logo me motivo. O que é fácil não tem graça para mim. Tenho ainda dois anos de trabalho no Congresso pela frente e peço a Deus que me dê força e saúde para concluí-los. Dentro ou fora do plenário, sinto que nunca vou deixar a política. É o que me faz levantar. É a grande paixão da minha vida”.
Grande Luíza Erundina!