Nonato Guedes
O apoio manifestado, em vídeo, pelo ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais do governo do presidente Lula, à candidatura do prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP) à reeleição, foi emblemático do ponto de vista de abafar a pregação que líderes como Ricardo Coutinho e Luciano Cartaxo agitam dentro do Partido dos Trabalhadores em prol da neutralidade do partido no segundo turno na Capital paraibana. A posição pró-Cícero já havia sido anunciada pela direção municipal do PT e acolhida pela cúpula nacional, no rescaldo do primeiro turno, quando se constatou que o candidato petista Luciano Cartaxo ficou em quarto lugar e que o desafiante do atual prefeito seria o ex-ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, um bolsonarista de carteirinha e figura identificada com as forças de direita e do conservadorismo político no Estado. Não há sinalização de que Coutinho e Cartaxo venham a sofrer sanções por descumprirem decisão nacional da legenda, mas é evidente que eles se isolam num momento crucial da disputa eleitoral em João Pessoa.
Não é que Cícero Lucena tenha um perfil de esquerda, nos moldes da definição clássica que partidos políticos tentam copiar no Brasil para revestir-se de suposta aura ideológica. O perfil de Cícero sempre esteve situado no centro, aproximando-se de segmentos de direita conservadora que não pode ser confundida com a direita hidrófoba liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas ele contrabalança a sua imagem pela ação administrativa que empreende com o governo João Azevêdo, do PSB, e com o próprio governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Este ponto, aliás, foi destacado, ontem, num recorte da fala do ministro Alexandre Padilha, que é tido como um interlocutor de prestígio junto ao presidente da República. Padilha lembrou que o governo federal já está “investindo muito” na cidade e citou obras como parques, casas do Minha Casa, Minha Vida, além da destinação de recursos para saúde, educação e cultura. O titular da Pasta de Relações Institucionais foi enfático ao pedir o voto em Cícero, com a justificativa de que o prefeito tem condições de “avançar e ampliar essas parcerias”.
A restrição de Ricardo Coutinho e de Luciano Cartaxo à candidatura de Cícero já era esperada nos meios políticos, diante de incompatibilidade pessoal do ex-governador e do ex-candidato com o atual prefeito. Ricardo, inclusive, foi quem articulou dentro da legenda o movimento pela candidatura própria como tática desesperada para evitar que prevalecesse o tropismo petista em direção à candidatura de Cícero Lucena. Valendo-se de canais de influência que possui em Brasília, Ricardo engendrou a chapa dos seus sonhos, formada por Luciano Cartaxo, com quem brigou no passado, e por sua esposa, Amanda Rodrigues. Bem ao seu estilo, Ricardo comandou pessoalmente a “blitzkrieg” para inviabilizar qualquer chance de prosperar a candidatura da deputada estadual Cida Ramos, que também pleiteava a indicação e tinha apoios expressivos de representantes de tendências petistas. Foi assim que Coutinho chegou a Cartaxo e logrou sagrá-lo candidato através da cúpula nacional, com plena e total desobediência a quaisquer rituais democráticos no âmbito do Partido dos Trabalhadores em João Pessoa.
Essa operação do ex-governador fez com que fosse cancelada a realização de prévias internas, uma possibilidade prevista no estatuto do PT – com o consentimento do Grupo de Trabalho Eleitoral do partido a nível nacional, presidido pelo senador Humberto Costa, de Pernambuco. Cida Ramos queixou-se, inclusive, do fato de ter sido vítima de violência política de gênero, mas não teve espaço para querelar internamente. Luciano foi imposto e ungido como candidato, com ampla liberdade para promover as composições necessárias ao fortalecimento do projeto de sua candidatura, mas revelou-se incapaz de motivar ou engajar a própria militância do Partido dos Trabalhadores e não avançou substancialmente no campo de coligações mais densas que alavancassem uma nova candidatura. Fiou-se apenas no apoio de Ricardo e na expectativa de “recall” positivo por ter empalmado duas gestões na prefeitura até 2020, trunfo que não se concretizou no curso da campanha deflagrada. O próprio discurso de Cartaxo foi centrado apenas no revanchismo contra Cícero, sem propostas inovadoras para a Capital que se prepara para o marco do um milhão de habitantes.
Outro fator que contribuiu, sem dúvida, para enfraquecer a pretensão do deputado Luciano Cartaxo de voltar a dirigir os destinos da prefeitura municipal foi a falta de engajamento efetivo por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em palanques de aliados no primeiro turno. O mandatário priorizou algumas exceções que avaliou como mais urgentes, a exemplo da disputa em São Paulo, e transferiu para um eventual segundo turno a sua participação de corpo e alma em eventos expressivos para candidaturas alinhadas com o chamado bloco progressista. A manifestação do ministro Alexandre Padilha em torno da candidatura de Cícero Lucena coincide com a organização de setores da direita na Paraíba para fortalecer e fazer vitoriar a campanha do ex-ministro Marcelo Queiroga. No dizer da petista Márcia Lucena, não tinha como o partido cultivar ambiguidades como a neutralidade vendida por Coutinho e Cartaxo, daí a opção da maioria por estar na trincheira que combate Queiroga na reta decisiva.