Nonato Guedes
Uma das dificuldades que o ex-ministro da Saúde, Marcelo Queiroga (PL) enfrenta para ultrapassar o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena(PP) na corrida que se desenrola no segundo turno, pode estar na “opção pragmática” que está sendo feita pelo eleitor. A avaliação sobre o pragmatismo do eleitor, formulada pelo diretor da Quaest Consultoria Felipe Nunes, em entrevista à Rede Paraíba de Televisão, é endossada por analistas políticos que se debruçam sobre os resultados da primeira pesquisa da empresa na atual rodada, apontando Lucena na liderança com 58% das intenções contra 31% atribuídos ao candidato bolsonarista. Conforme o cenário apurado pela Quaest, houve uma transferência maior para Cícero do que para Queiroga dos votos dos eleitores do deputado federal Ruy Carneiro (Podemos) e do deputado estadual Luciano Cartaxo (PT), que disputaram o primeiro turno e ficaram posicionados respectivamente em terceiro e quarto lugares. Cícero é bem avaliado em termos administrativos e, por isso, consegue atrair mesmo eleitores que não concordam ideologicamente com ele, que é tido como expoente da centro-direita.
A pesquisa mensurou, igualmente, que há um temor maior no eleitorado de que Queiroga seja eleito do que Cícero Lucena reeleito prefeito na eleição do próximo dia 27 de outubro. “Isso acontece porque o prefeito está conseguindo atrair os eleitores principalmente de Cartaxo, que embora não concordem com ele ideologicamente, estão fazendo uma opção pragmática. Neste caso, o pragmático está vencendo a ideologia. Vamos ver como é que essa disputa se arrasta até a semana que vem”, analisou Felipe Nunes, cujas declarações foram reproduzidas, também, pelo “Jornal da Paraíba”. Abstraindo os percentuais propriamente ditos obtidos pelos dois postulantes nos quesitos estimulado e espontâneo, a verdade é que 64% dos eleitores disseram que Cícero merece continuar na prefeitura contra 34% que dizem não. O número chega a ser maior do que a própria intenção de voto estimulada – 58% contra 31%. Um outro dado sobre o qual já falamos neste espaço é que 25% dos eleitores inda não conhecem Marcelo Queiroga, tendo uma vaga noção ou impressão sobre seu perfil.
Marcelo Queiroga, ao passar para o segundo turno, destronando nomes carimbados da política local como Luciano Cartaxo e Ruy Carneiro, apostou alto na reprodução, em João Pessoa, da polarização ideológica que a nível nacional se verifica entre apoiadores de Jair Bolsonaro e apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esperava que a migração de segmentos de esquerda para o eixo da candidatura de Cícero facilitasse com nitidez tal divisão, mas esbarrou na própria estratégia do prefeito atual de não optar por esse caminho. Cícero ingressou no segundo turno massificando propostas e realizações administrativas, intercaladas com citações à parceria com o governo do Estado, cujo titular João Azevêdo, do PSB, o apoia desde a campanha de 2020. Com isso, Lucena fugiu ao embate ideológico pretendido por Queiroga e colocou a discussão da problemática pessoense no centro das atenções e dos debates. Note-se que nem mesmo a vinda, esta semana, do ex-presidente Jair Bolsonaro para cumprir agenda com seu ex-ministro impactou fortemente a campanha do ex-ministro e candidato do PL, até porque a polarização dá sinais de que está esmaecendo em alguns redutos eleitorais importantes do país, dada a emergência de novos protagonistas no campo da direita conservadora, ameaçando a hegemonia que os bolsonaristas consideravam eterna.
O candidato do PL notabilizou-se em âmbito nacional e mundial pela sua atuação à frente do Ministério da Saúde em plena pandemia de covid-19. Embora tenha dado partida à ampla campanha de imunização contra a doença, ele associou de tal modo a sua imagem ao ex-presidente Jair Bolsonaro que acabou herdando a fama de “negacionista”. A gestão de Queiroga do ponto de vista de beneficiar a Paraíba foi opaca e deu-se, ainda, que ele perdeu tempo envolvendo-se em bate-boca com governadores do Consórcio Nordeste, um dos quais o paraibano João Azevêdo, repetindo a hostilidade que Bolsonaro não escondeu no calor da irritação pela autonomia do Consórcio para adquirir vacinas no exterior. O imbróglio entre o Planalto e os governadores na Era Bolsonaro foi motivado pela demora do governo anterior em agilizar a aquisição de imunizantes e, internamente, equipar a rede de saúde pública para fazer frente à calamidade da covid-19. Como Queiroga foi uma espécie de alter-ego de Bolsonaro, o desgaste acabou sobrando para ele e está se refletindo agora, quando decidiu vencer a timidez e aventurar-se ao enfrentamento de uma disputa política no seu currículo.
O problema de fundo da candidatura do ex-ministro Marcelo Queiroga não está propriamente no seu marketing pessoal enquanto postulante, já que mesmo entre os que não o apoiam há reconhecimento do seu talento profissional e das suas qualificações no exercício da medicina. Já sua postura como ministro é criticada – e não apenas na Paraíba, mas em outros Estados onde a mídia foi implacável com ele em ocasiões críticas ou excepcionais enfrentadas pelo desastrado governo de Bolsonaro que, como se sabe, não logrou reeleger-se para a Presidência da República, em episódio raro da crônica política brasileira. O xis da questão da candidatura de Queiroga diz respeito ao desconhecimento sobre suas ligações com a Paraíba e, em especial, com João Pessoa. É isto que o coloca no limbo e torna sua candidatura, para muitos, uma aventura, ou uma incerteza. Nesse vácuo, Cícero beneficia-se do “recall” das suas gestões e do índice de confiabilidade na sua capacidade administrativa, que ainda detém. É um confronto extremamente desigual ou desvantajoso para o ex-ministro bolsonarista.