Nonato Guedes
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que irrompeu no cenário institucional brasileiro tentando posar de “outsider” apesar da longeva militância política e que, com o tempo, se apropriou da condição de expoente da direita, jogando na perspectiva de uma polarização com a esquerda que ainda hoje divide crucialmente a sociedade, ainda detém espaços preciosos no cenário mas não tem mais a exclusividade como dono do espólio da facção a que pertence. Alvo, no momento, de uma ameaça concreta de inelegibilidade, ele se mobiliza de forma desesperada para manter-se em posição de liderança em meio a um cenário que acolhe concorrentes de peso, a exemplo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, sempre cogitado para disputar a Presidência da República em 2026 e do ex-candidato a prefeito da capital paulista Pablo Marçal, do PRTB, que bagunçou a disputa no primeiro turno, nas pegadas do bolsonarismo extremista.
Na campanha eleitoral deste ano para prefeito, o ex-presidente tem marcado presença em redutos estratégicos, sobretudo para o PL, que disputa eleições na maioria das capitais, indicando um avanço do segmento de direita conservadora pelo território nacional. Bolsonaro esteve, inclusive, em João Pessoa, para tentar alavancar a candidatura do seu ex-ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que surpreendeu os analistas e os próprios institutos de pesquisas e logrou passar para o segundo turno contra o prefeito Cícero Lucena (PP), que lidera intenções de voto desde o primeiro dia da campanha deflagrada no primeiro turno. A manifestação em João Pessoa não foi grandiosa, como prognosticavam bolsonaristas de carteirinha e notou-se, mesmo, um cansaço por parte do ex-presidente quanto a eventos de rua, sem falar que Bolsonaro evitou críticas ao adversário de Queiroga, preferindo exaltar qualidades deste e competência para executar um projeto de mudanças na Capital paraibana. Em outras localidades, o ex-presidente tem sido mais presente do que o mandatário petista Luiz Inácio Lula da Silva, que alegou outros compromissos e o desejo de não incentivar rivalidades locais entre filiados de partidos que integram a base de sustentação do governo no Congresso Nacional.
O interesse de segmentos da opinião pública é por uma definição concreta sobre o futuro político de Jair Bolsonaro, o único presidente da República, na história recente do país, que não conseguiu se reeleger, depois de uma barulhenta orquestração antecipada para descredibilizar urnas eletrônicas e desmoralizar o trabalho da Justiça Eleitoral. Nada incomum para um presidente que foi eleito em 2018 e passou o tempo inteiro duvidando da própria vitória, já que sempre colocou em xeque o sistema utilizado pelo TSE e os números apontados, mesmo os que lhe favoreciam. Claro que a sua expectativa era a de ter tido uma consagração estrondosa nas urnas, mas não foi isto o que a fotografia de momento revelou. Em 2022, contra Luiz Inácio Lula da Silva, a polêmica foi mais intensa ainda – Bolsonaro chegou a acionar representantes diplomáticos de vários países para uma reunião em que falou mal do Brasil e do seu sistema eleitoral, causando pasmo pelo ineditismo da ação deletéria, com viés terrorista, para tumultuar o processo político-eleitoral que se desenrolava na mais absoluta atmosfera de normalidade institucional. O espetáculo montado por Bolsonaro e pelos seus apoiadores não surtiu efeito, tendo produzido apenas a cena melancólica da fuga do ex-presidente do Planalto para não passar a faixa ao adversário legitimamente escolhido.
No entorno de Jair Bolsonaro, além da concorrência do governador Tarcísio de Freitas e da ameaça de uma candidatura de Pablo Marçal à Presidência da República, agita-se, ainda, o nome da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro como alternativa ao posto. Ela tem percorrido o país em atividades do PL Mulher como estratégia para dar suporte a candidaturas bolsonaristas, tentando compensar as lacunas do marido e de outros expoentes do Partido Liberal. Bolsonaro não fica encantado com as sugestões em torno do nome de Michelle para candidata – porque, a despeito das adversidades que enfrenta na Justiça, ainda alimenta a esperança de vir a ser liberado para concorrer em 2026. Em termos concretos, o bolsonarismo não se reciclou política e ideologicamente no país e sobrevive apenas da insistência numa polarização que começa a cansar parcelas mais críticas da sociedade, mesmo as que se dizem situadas no universo da direita conservadora. A falta de substância de Bolsonaro na formulação de propostas alternativas para o Brasil responde pelo esvaziamento das bandeiras agitadas. Decididamente, a retórica não basta para dar impulso a um projeto de poder que não oferece maiores perspectivas no plano federal.
Cientistas políticos avaliam que, pela primeira vez nos últimos anos no Brasil, cristalizou-se um sentimento de direita no âmbito da sociedade e chamam a atenção para o fato de que essa postura passou a ser assumida ostensivamente, deixando para trás aquele período em que conservadores tinham acanhamento de se expor e até mesmo de debater suas ideias com o conjunto da representação social no país. Falta organicidade, é claro, ao debate das propostas de direita que são apresentadas, porque falta leitura e falta, sobretudo, conhecimento aprofundado do que é essa ideologia. Não há grandes formuladores ou teóricos que possam embasar o refrão maniqueísta carimbado pelos bolsonaristas e afins, mas a simples declaração de que são anti-esquerda é elemento motivador para agrupá-los em qualquer número. Não se pode dizer que Jair Bolsonaro continue sendo “o mito” para apoiadores fanáticos, mas segue sendo referência, com a diferença de que agora divide espaços com outros carreiristas que tentam se impor no modismo de plantão verificado na bagunça política brasileira.