Nonato Guedes
Estreante em disputa política, o ex-ministro da Saúde do governo de Jair Bolsonaro, Marcelo Queiroga, foi a sensação na corrida pela prefeitura de João Pessoa este ano ao avançar para o segundo turno contra o vitorioso, o prefeito reeleito Cícero Lucena. Ele obteve 146.129 votos, equivalentes a 39,09% dos votos válidos apurados na Capital paraibana e foi o candidato que mais cresceu na campanha eleitoral, ultrapassando nomes carimbados como o do deputado Luciano Cartaxo (PT), que foi prefeito por duas vezes, e o do deputado federal Ruy Carneiro, do Podemos, que enfrentou sua terceira derrota à chefia do executivo local. O ex-ministro teve o apoio direto do ex-presidente a cujo governo serviu, que aqui compareceu na reta finalíssima, atraindo, também, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro para duas agendas nos respectivos turnos. Ele firmou imagem de bolsonarista-raiz e, assim, penetrou junto a segmentos do eleitorado conservador e de direita.
Queiroga teve como vice o pastor evangélico Sérgio Queiroz, filiado ao Novo, que cogitava ser candidato a prefeito, sob alegação de que foi o candidato mais votado ao Senado em João Pessoa na disputa de 2022 quando concorreu pelo PRTB. Convidado para vice do ex-ministro, com intermediação de Bolsonaro, cioso em prestigiar seu colaborador, Queiroz rendeu-se aos apelos e à nascente vocação política que passou a demonstrar, embora fizesse indústria da condição de “outsider” para não ser confundido com políticos tradicionais. O pastor acabou se engajando de forma decidida na campanha, guindado a papel de destaque juntamente com o titular da chapa, e foi proativo em falas calculadas para o público indeciso ou refratário a uma nova gestão de Cícero, sendo, inclusive, cáustico na linguagem utilizada contra o prefeito reeleito. Originalmente a direita começou apostando fichas em Nilvan Ferreira, que havia chegado ao segundo turno em 2020 pelo MDB, também contra Cícero, mas Queiroga foi sagrado ao se filiar ao PL e assumir projeto de candidatura, abonado pelo prestígio de Bolsonaro junto ao segmento. Nilvan tentou sobreviver migrando para Santa Rita, onde imprimiu guinada à sua trajetória, filiou-se ao Republicanos e foi candidato com o apoio do governador João Azevêdo, perdendo para o esquema dos Panta, do PP.
A campanha de Queiroga começou com pouco dinamismo e tisnada por críticas à sua atuação como ministro da Saúde em plena pandemia de covid-19, quando o governo do então presidente Jair Bolsonaro foi acusado de “negacionista” e de ter contribuído, por omissão ou inação, com estatística alarmante de óbitos provocados pela calamidade sanitária. Mas o ex-ministro partiu para a contra-ofensiva, tomando a dianteira dos outros candidatos no ataque à administração de Cícero Lucena e na formulação de propostas inovadoras para o processo de crescimento de João Pessoa. Em paralelo, não titubeou em assumir-se como discípulo de Bolsonaro, identificado com as suas ideias e com o conjunto das ações, mesmo as polêmicas, do único governo que ele empalmou. Com essa estratégia, Queiroga cristalizou o voto bolsonarista, conjugado com o voto da direita mais radical ou agressiva e despontou nas pesquisas em estágio de evolução surpreendente, desbancando Ruy e Cartaxo. Nos debates de que participou, ele não deixou de questionar Ruy e Cartaxo, mas aceitou o gesto de unir-se a eles para requerer tropas federais para o pleito sob pretexto de influência do tráfico de drogas e do crime organizado na campanha. O TSE não endossou a requisição de tropas federais e Cartaxo e Carneiro saíram desgastados da aproximação com Queiroga, que já estava em outra “vibe”, extraindo votos de eleitores desconfiados com os outros concorrentes.
Na opinião de analistas políticos, o discurso de Luciano Cartaxo e de Ruy Carneiro acabou reproduzindo falas e ideias do passado, sem conexão maior com as pautas contemporâneas que foram agitadas, até mesmo no debate dos problemas da população de João Pessoa e na proposição de alternativas ou soluções para esses desafios. De forma inteligente e sagaz, enquanto isso, o ex-ministro da Saúde soube tirar proveito da sua condição de estreante, sem maior responsabilidade com os erros administrativos recentes da história da Capital paraibana. Escafedeu-se até mesmo do bombardeio que lhe foi dirigido por não ter dado atenção maior a João Pessoa quando exercia o ministério da Saúde. O prefeito Cícero Lucena falou, inúmeras vezes, de pleitos encaminhados que haviam sido negados sob a gestão de Queiroga na Pasta, o que foi repelido de bate-pronto por este. Se não chegou a convencer propriamente parcelas indecisas do eleitorado sobre sua desatenção para com a Capital paraibana, o ex-ministro teve habilidade para escapar de cobrança insistente com o argumento de que era ministro de todo o país e que, desse ponto de vista, não poderia privilegiar nem discriminar regiões. O fato é que ele ocupou os espaços e deixou Cartaxo e Carneiro comendo poeira, entretidos num debate monótono sobre ideias para uma João Pessoa de futuro. O resultado foi a ascensão ao segundo turno.
No segundo turno, Marcelo Queiroga enfrentou rejeição de petistas, especialmente quando trouxe Michelle Bolsonaro e, na sequência, o ex-presidente Jair Bolsonaro a João Pessoa, e não logrou sensibilizar parcela considerável que sufragou o nome do candidato Ruy Carneiro, do Podemos. Este ainda chegou a manifestar seu apoio à candidatura do bolsonarista, enquanto Luciano Cartaxo cravou postura de neutralidade, o que facilitou o tropismo de boa parcela do petismo na direção de Cícero Lucena. A dificuldade de Queiroga em sair da “bolha” bolsonarista ficou evidente no curso da rodada decisiva, e ele chegou ao Dia “D” sem ir além do que já havia conquistado. No rescaldo da derrota, sentiu-se dono de valioso cacife político, tanto assim que anunciou pretensão de estar no páreo eleitoral de 2026. Suas opções estão entre a disputa pelo governo do Estado ou por uma vaga na Câmara Federal, enquanto o pastor ambiciona o Senado. É um cenário a ser conferido lá na frente, no momento oportuno, quando houver, de fato, a configuração para as eleições de 2026.