Nonato Guedes
Capa da revista “Veja” em sua última edição, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou que planeja fazer o registro de sua candidatura para as eleições de 2026 no “último momento”, ou seja, na undécima hora dos prazos fatais fixados pela legislação. Ele informou que vai tentar recuperar seus direitos políticos no Congresso via projeto de anistia ou ainda com uma ação no Supremo Tribunal Federal – o registro da candidatura, portanto, seria uma cartada final, dependendo do crivo do seu partido. Na avaliação dele, a reunião com embaixadores na qual Bolsonaro atacou o sistema eleitoral brasileiro não lhe rendeu votos, por isso ele sustenta que a determinação de sua inelegibilidade é uma injustiça e que essa visão precisa se massificar na opinião pública. Deixou claro que, se registrar a candidatura, “o TSE que decida”. O ex-mandatário não é otimista, se diz realista e preparado para qualquer coisa, mesmo confrontado com o vaticínio de que está inelegível até 2030 no bojo de afirmações falsas e distorcidas sobre as urnas eletrônicas, bem como na orquestração para descredibilizar ministros do TSE.
Na prática, Jair Bolsonaro, que despontou em 2018 como “mito”, na visão tacanha de apoiadores de direita conservadora e xenófoba, procura se manter relevante no cenário eleitoral para a disputa presidencial em 2026 porque seu futuro político está em xeque e sua influência é questionada dentro do agrupamento da direita, segundo a análise do colunista Josias de Souza, do UOL. Acrescenta que o poder de liderança do ex-presidente sofreu um golpe nas eleições municipais deste ano, porque apenas sete dos 25 candidatos apoiados por ele venceram as disputas no segundo turno. Ex-ministros chegaram a avançar para a reta decisiva, como o médico Marcelo Queiroga, da Saúde, que concorreu à prefeitura de João Pessoa, mas não lograram êxito. Acerca da estratégia anunciada por Bolsonaro, Josias acha que ela se assemelha á do Lula, inclusive naquilo que resultou na indicação de Fernando Haddad para representar o PT na eleição presidencial de 2018. E explica: “Bolsonaro tenta obter uma reabilitação para participar das eleições de 2026, o que é muito improvável. Não conseguindo, tenta se manter vivo politicamente para influir na escolha do candidato conservador que disputará com Lula”.
Josias adianta: “Ele (Bolsonaro) imagina que terá influência na escolha do candidato e também na campanha dele. Esse é o jogo dele. Bolsonaro tenta se manter vivo. Hoje está como um zumbi político, rondando a conjuntura política. Saiu enfraquecido das eleições municipais e perdeu na maior parte das cidades nas quais tentou impor o projeto de uma candidatura radical. O jogo dele é mimetizar a estratégia do Lula”. Embora aponte semelhança entre o plano de Bolsonaro e o percurso traçado por Lula após sua condenação, Josias vê o tempo como um obstáculo duro para a pretensão do ex-presidente de se lançar como candidato em 2026. “O roteiro adotado por Bolsonaro é idêntico ao adotado pelo presidente Lula desde que foi condenado no âmbito da Operação Lava Jato e, depois, reabilitado pelo STF, tornou-se presidente pela terceira vez. Ocorre que os fatos são distintos e as chances de Bolsonaro obter uma redenção que o reabilite são inviáveis, até porque o julgamento deve entrar pelo ano de 2025 e a primeira condenação deve chegar do meio para o final do ano que vem. É muito difícil que depois ele consiga uma anulação dessa sentença”. Uma alternativa para Bolsonaro seria cogitar a disputa ao Senado em 2026 por Brasília, mas ele enfatizou que dentro da família a opção nesse sentido já está tomada por sua esposa, Michelle, que teve influência decisiva na eleição da ex-ministra Damares Alves no Distrito Federal.
Além dos problemas judiciais que constituem um forte empecilho no meio do caminho, Jair Bolsonaro depara-se com a concorrência de nomes que se projetaram ultimamente no campo da direita e que ameaçam, concretamente, a sua hegemonia, a exemplo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil, de Romeu Zema, do Novo, de Minas Gerais, além do imprevisível Pablo Marçal, que tumultuou a eleição para a prefeitura de São Paulo este ano. O ex-presidente partiu, na entrevista à “Veja”, para desdenhar dos concorrentes. Admitiu apenas que Tarcísio de Freitas, seu ex-ministro da Infraestrutura, é um “baita gestor”. Na sequência, advertiu que só fala depois de enterrado. “Estou vivo. Com todo respeito, chance só tenho eu, o resto não tem nome nacional. O candidato sou eu”. Questionado se está empenhado em atuar no movimento pela anistia aos golpistas de 8 de Janeiro, o ex-presidente diz que o foco é tirar da prisão pais e mães de família condenados. “Fiz um vídeo, apelei aos senhores do STF. Tem que ter um pouco de coração (…) É um abuso na condenação. Já deu o que tinha que dar isso aí. Tenho dito que nessa história de anistia o meu caso está em segundo plano”.
Prestes a ser indiciado pela PF como um dos envolvidos na tentativa de golpe, Bolsonaro diz que não teme o julgamento pelo qual vai responder, mas “quem” vai julgá-lo. E adianta: “É só perseguição, sinto isso o tempo todo: baleia, leite condensado, cartão de vacina, golpe usando a Constituição. Nunca joguei fora das quatro linhas. Não tenho medo de julgamento, minha preocupação é quem vai me julgar”. O ex-presidente é investigado pela Polícia Federal por suspeita de tramar um golpe de Estado para se manter no poder após a derrota para Lula nas eleições de 2022. Ele teve o passaporte retido depois de ser alvo de uma operação em fevereiro sobre o caso. Na semana passada, a Primeira Turma do STF decidiu manter, por unanimidade, a retenção do passaporte do ex-presidente. A situação de Bolsonaro é complicada sob todos os pontos de vista, mas ele insiste em se manter à tona a qualquer custo. Só o futuro dirá se Bolsonaro ainda tem influência ou se já está sendo descartado do cenário político nacional.