Nonato Guedes
Enquanto líderes e diretórios do Partido dos Trabalhadores em vários Estados correm ao “divã” para fazer uma autocrítica dos erros cometidos nas recentes eleições municipais que custaram derrotas em Capitais e outros redutos influentes e caros para o PT, na Paraíba não há o menor interesse em retomar o debate envolvendo figuras carimbadas que dirigem a agremiação ou atuam como expoentes da legenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PT da Paraíba sabe que precisa de um choque de renovação e da prática da democracia interna como elementos decisivos para a sua reconstrução, principalmente na Capital, João Pessoa, onde a candidatura do deputado Luciano Cartaxo foi despachada para o quarto lugar, sem espaço no segundo turno, a despeito de ser ele um político que governou a antiga Felipéia de Nossa Senhora das Neves por duas vezes até 2020. Houve erros clamorosos de estratégia por parte do petismo, com a exclusão de líderes que poderiam qualificar o debate e fortalecer o partido em ambiente de unidade mas que foram escorraçados sem direito a apelação ou recurso pelas vias democráticas.
Aliás, é necessário informar que a cúpula nacional do Partido dos Trabalhadores, presidida pela deputada Gleisi Hofmann e o Grupo de Tática Eleitoral, coordenado pelo senador Humberto Costa, de Pernambuco, fizeram pouco caso das divergências internas que eclodiram em nosso Estado, ignorando olimpicamente o direito de fala da deputada estadual Cida Ramos, que contava com apoios expressivos de tendências petistas para ser aclamada candidata e, no entanto, foi seguidamente escanteada. Na prática, a direção nacional foi cúmplice da trama personalista arquitetada pelo ex-governador Ricardo Coutinho, amigo pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para impor a candidatura de Luciano Cartaxo com o falso argumento de que agregaria mais apoios e ainda se beneficiaria de “recall” positivo das duas gestões empalmadas em João Pessoa, embora em 2020, sentado na cadeira de prefeito, ele não tenha conseguido transferir votos para a candidata ungida como sucessora, sua concunhada Edilma Freire. O processo democrático interno nas hostes do PT da Paraíba foi desrespeitado pela cúpula maior com o conhecimento do presidente Lula, que preferiu não se engajar diretamente no palanque do “escolhido”.
Ricardo Coutinho é um velho conhecido do Partido dos Trabalhadores porque submeteu o partido às duas faces da moeda – a instantes de glória e à ruína. Movido ainda hoje por uma característica peculiar, o personalismo, Ricardo rompeu lá atrás com o PT quando sentiu que seria preterido na indicação de candidatura a prefeito em 2004, migrando para o Partido Socialista Brasileiro, onde se elegeu e se firmou como liderança política emergente no cenário estadual, a ponto de ser cortejado em 2010 pelo ex-governador Cássio Cunha Lima (PSDB) para uma aliança que foi efêmera e não sequenciou sequer em 2014, quando ambos se enfrentaram nas urnas. Coutinho só deixou o PSB quando perdeu quedas de braço para o atual governador João Azevêdo, que teve o seu apoio em 2018 e não aceitou subordinar-se ao seu poder de mando. No primeiro mandato de João, Ricardo avaliou que apenas havia “emprestado” o governo a ele, desmerecendo a vitória alcançada em primeiro turno por um estreante na atividade política. E, incomodado com o prestígio de Azevêdo, fez o caminho de volta ao PT apostando num retorno do líder Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto, o que ocorreu em 2022.
Em 2020, Ricardo Coutinho conseguiu convencer Lula a pedir votos para ele, que era candidato a prefeito de João Pessoa pelo PSB, com o evidente sacrifício da candidatura própria do deputado Anísio Maia, do PT, que amargou derrota humilhante. Em 2022, por manobras de Coutinho, que já estava de volta ao Partido dos Trabalhadores, a legenda compôs-se no primeiro turno da eleição ao governo com o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB), tendo indicado Maísa Cartaxo, mulher de Luciano, para vice-governadora, enquanto o próprio Ricardo aventurou-se ao Senado. Foram todos derrotados – Veneziano com Maísa e Ricardo Coutinho na vaga ao Senado, tendo este assistido, ainda, constrangido, à reeleição do antigo aliado João Azevêdo, a quem passou a tratar como inimigo figadal na conjuntura política da Paraíba. Sabe-se de gestões de emissários do presidente Lula, nos bastidores, para promover-se uma reaproximação entre João e Ricardo, mas a missão era fadada ao insucesso, daí porque não foi levada adiante. Não era do interesse nem de João Azevêdo, muito menos de Ricardo Coutinho e seus respectivos apoiadores.
O guarda-chuva do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Paraíba tem acobertado tanto o governador, que teve apoio de Lula no segundo turno em 2022 como o ex-governador Ricardo Coutinho, que logrou indicar a esposa, Amanda Rodrigues, para um cargo no Ministério da Saúde em Brasília. Mas os dois líderes – João e Ricardo seguem convivendo em ambientes distintos, pela dificuldade que têm em se reconciliar politicamente. Mentor da chapa Luciano Cartaxo-Amanda Rodrigues à prefeitura da Capital em 2024 e, consequentemente, da estratégia errática que empurrou o petismo para a quarta colocação e pôs no segundo turno, contra Cícero Lucena (PP) o bolsonarista Marcelo Queiroga, ex-ministro da Saúde, Ricardo Coutinho tem procurado escafeder-se das discussões no pós-eleitoral, por intuir que é o alvo principal na polêmica. Mas ninguém duvida que sua influência continua de pé, mesmo ao preço de impedir o choque de renovação e o restabelecimento da democracia interna no PT da Paraíba, que caminha para um processo lento de extinção ou definhamento em suas fileiras, longe de perspectivas de poder na realidade local.