Nonato Guedes
Com sua inegável sensibilidade para os problemas sociais de gravidade extrema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu o mérito de fomentar uma Aliança mundial contra a fome contando com o apoio de 82 países e assegurando, na largada, R$ 145 milhões em caixa para o enfrentamento a essa tragédia nos vários continentes. No discurso de sete minutos e 55 segundos que proferiu, ontem, na abertura da Cúpula de Líderes do G20, no Rio de Janeiro, o mandatário brasileiro alertou para a necessidade urgente que os governantes de todo o mundo têm no sentido de assumir deveres com os assuntos da fome e da pobreza, fazendo votos para que sejam alcançados resultados positivos em pouco tempo. O evento atraiu representantes das 19 maiores economias do planeta, além da União Europeia e da União Africana.
O presidente Lula lembrou que o Rio de Janeiro é a síntese dos contrastes que caracterizam o Brasil, a América Latina e o mundo – de um lado, a beleza exuberante da natureza sob os braços abertos do Cristo Redentor, fotografando um povo diverso, vibrante, criativo e acolhedor, e, de outro, injustiças sociais profundas, no retrato vivo das desigualdades históricas persistentes. Foi um discurso que teve, por isso mesmo, o caráter de autocrítica em relação a omissões que têm sido praticadas no equacionamento dos dilemas prementes da humanidade. Não por acaso, Lula lembrou que esteve presente na primeira reunião de líderes do G20, convocada em Washington, Estados Unidos, no contexto da crise financeira de 2008. “Dezesseis anos depois, constato com tristeza que o mundo está pior”, reclamou ele, citando a prevalência do maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial, bem como a maior quantidade de deslocamentos forçados já registrada. Em paralelo, advertiu que os fenômenos climáticos extremos mostram seus efeitos devastadores em todos os recantos do planeta e as desigualdades sociais, raciais e de gênero se aprofundam, na esteira de uma pandemia que ceifou mais de 15 milhões de vidas, como a pandemia de covid-19.
“O símbolo máximo na nossa tragédia coletiva é a fome, é a pobreza”, sentenciou o mandatário brasileiro, mencionando dados da FAO, segundo os quais, em 2024, “convivemos com um contingente de 733 milhões de pessoas ainda subnutridas”. Lula comparou: “É como se as populações do Brasil, México, Alemanha, Reino Unido, África do Sul e Canadá, somadas, estivessem passando fome” e acrescentou que são mulheres, homens e crianças, cujo direito à vida e à educação, ao desenvolvimento e à alimentação são diariamente violados. Em um mundo cujos gastos militares chegam a 2,4 trilhões de dólares, isto é inaceitável, prosseguiu Lula, teorizando que a fome e a pobreza não são resultado da escassez ou de fenômenos naturais. “A fome, como dizia o cientista e geógrafo brasileiro Josué de Castro, é a expressão biológica dos males sociais. É produto das decisões políticas, que perpetuam a exclusão de grande parte da humanidade”. Na sequência, o presidente Lula referiu que o G20 representa 85% dos 110 trilhões de dólares do PIB mundial e que, paralelamente, responde por 75% dos 32 trilhões de dólares do comércio de bens e serviços e dois terços dos 8 bilhões de habitantes do planeta.
Vergastou o dirigente brasileiro: “Compete aos que estão aqui em volta desta mesa a inadiável tarefa de acabar com essa chaga que envergonha a humanidade. Por isso, colocamos como objetivo central da presidência brasileira no G20 o lançamento de uma Aliança Global contra a fome e a pobreza. Este será o nosso maior legado. Não se trata apenas de fazer justiça. Essa é uma condição imprescindível para construir sociedades mais prósperas e um mundo de paz. Não por acaso, esses são os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 1 e 2 da Agenda 2030. Com a Aliança, vamos articular recomendações internacionais, políticas públicas eficazes e fontes de financiamento. O Brasil sabe que é possível. Com a participação ativa da sociedade civil, concebemos e implementamos programas de inclusão social, de fomento da agricultura familiar e da segurança alimentar e nutricional, como o nosso Bolsa Família e o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Conseguimos sair do Mapa da Fome da FAO em 2014, para o qual voltamos em 2022, em um contexto de desarticulação do Estado de bem-estar social. Foi com tristeza que, ao voltar ao governo, encontrei um país com 33 milhões de pessoas famintas”.
De acordo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em um ano e onze meses do seu terceiro governo, o retorno desses programas sociais de impacto já possibilitou a retirada de mais de 24,5 milhões de pessoas da conjuntura de extrema pobreza em que se encontravam. E a estimativa do atual governo federal é de que até 2026 o Brasil sairá novamente do Mapa da Fome. Para o presidente, com a Aliança agora fomentada será possível fazer muito mais. “Aqueles que sempre foram invisíveis estarão no centro da agenda internacional. Já contamos com a adesão de 81 países, 26 organizações internacionais, 9 instituições financeiras e 31 fundações filantrópicas e organizações não governamentais (…) Foi um ano de trabalho intenso, mas esse é apenas o começo. A Aliança nasce no G20 mas seu destino é global. Que esta cúpula seja marcada pela coragem de agir”, finalizou Lula. O discurso foi, ao mesmo tempo, um libelo e uma exortação para que as discussões finalmente saiam do papel e produzam as transformações que a humanidade clama em sua sede de pão e de justiça.