Nonato Guedes
Em meio às recentes investigações da Polícia Federal apontando articulação de uma trama sinistra de figuras do “entorno” do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para assassinato do presidente Lula, do vice Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, tem sido evidenciada na mídia e nos meios políticos uma entrevista profética do ex-ministro Gustavo Bebianno ao “Congresso em Foco” em 29 de outubro de 2019, alertando para o potencial explosivo de alguns elementos e práticas do governo Bolsonaro que agora assombram o ex-mandatário. Conforme ele, o entorno político bolsonarista discutia desde aquele ano, o primeiro dos quatro de mandato, uma forma de dar um golpe de Estado, e um dos incentivadores da ideia era o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, que foi preso na Operação Tempus Veritatis. Em paralelo, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, lembra que Bolsonaro se recusou a passar a faixa presidencial a Lula, talvez por acreditar na ilusão de que continuaria no poder pelo golpe.
Numa matéria publicada no “Congresso em Foco”, Edson Sardinha pontuou que Gustavo Bebianno era considerado peça-chave na eleição de Jair Bolsonaro em 2018 mas teve uma ascensão meteórica na política nacional. O advogado pessoal de Bolsonaro assumiu o comando do PSL e coordenou a vitoriosa campanha presidencial daquele ano, mas sua passagem pelo Palácio do Planalto acabou sendo meteórica, já que ele foi ejetado da cadeira de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República 48 dias após a posse, detonado pelo vereador Carlos Bolsonaro, na primeira crise enfrentada pela gestão recém-empossada. O advogado tornou-se uma espécie de adversário incômodo do ex-amigo por conhecer como poucos as entranhas do bolsonarismo. Foi assim até março de 2020, quando um infarto fulminante o matou, aos 56 anos de idade, em Petrópolis (RJ). Filiado ao PSDB, articulava a candidatura presidencial de João Doria, então governador de São Paulo, projeto abortado após uma guerra interna entre os tucanos. “Tudo indica que ele (Bolsonaro) vai tentar (um golpe)”, advertiu Bebianno na entrevista ao “Congresso em Foco” em outubro de 2019.
O ex-ministro dizia duvidar que as Forças Armadas pudessem embarcar com o ex-capitão numa aventura golpista, mas admitia o perigo de que isso viesse a acontecer. Um dos entraves apontados pelas investigações da PF para a tentativa de golpe foi a resistência do chefe do Exército, general Freire Gomes, à iniciativa. Outros integrantes da cúpula das Forças Armadas, como o comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, e os ex-ministros Braga Netto e Augusto Heleno, ambos generais, passaram a ser investigados na Tempus Veritatis. Bebianno queixava-se do comportamento de Bolsonaro de não dizer o contrário sobre as versões quanto a golpe, com isso estimulando movimentos dos conspiradores. Lembrou que Filipe Martins falava abertamente em “ruptura institucional”, o mesmo ocorrendo com Olavo de Carvalho, já falecido, com Eduardo e Carlos Bolsonaro. “O presidente em algum momento desdisse? Deu alguma manifestação contrária a isso? Não, ele silencia. O Brasil está caminhando para um lugar muito pantanoso, escuro e perigoso. Do jeito que esse núcleo duro do presidente se manifesta, vão fazer uma guerra civil? Olavo diz que tem de eliminar toda a oposição. O que significa eliminar a oposição? Diz que tem de fechar os partidos de esquerda. Como seria no mundo prático a operação disso?”, questionou.
A respeito de apoio das Forças Armadas a manobras golpistas, Gustavo Bebianno referia-se a desconfianças existentes no seio da corporação quanto aos propósitos do então presidente Jair Bolsonaro, mas ponderava ter dúvidas. “Não acredito que ele (Bolsonaro) conseguiria consolidar uma ruptura institucional, mas tudo indica que ele vai tentar. É muito preocupante. Uma simples tentativa pode gerar muito derramamento de sangue. O Brasil não precisa disso. É um risco real. É difícil precisar o momento, mas que essa hipótese é cogitada na cabeça dos filhos, dele, do entorno, isso é”, acrescentou. O ex-ministro disse que via um “indicativo” de manobras golpistas no vídeo em que o STF e outras instituições foram tratadas como hienas que atacam um leão, o presidente. “Sim, é um indicativo, assim como a fala do Olavo e do Filipe Martins sugerindo um novo AI-5, o extermínio de partidos de oposição. Isso tudo claramente. O Eduardo disse que bastava um cabo e um soldado, não precisava nem de jipe, para fechar o Supremo. Outro dia, o Carlos Bolsonaro disse que as coisas são muito lentas na democracia. Não são sinais que precisam ser traduzidos. As falas deles são explícitas. Só estou observando o que eles próprios estão dizendo”.
No final da entrevista histórica e profética concedida ao “Congresso em Foco”, Gustavo Bebianno avaliava que o poder havia subido à cabeça de Bolsonaro, a quem acusava de ter abandonado promessas de campanha para proteger e favorecer os filhos. Dizia que o ex-chefe era uma figura cercada de “loucos” que fazia uma gestão marcada pelo autoritarismo, pelo “desarranjo mental”, pela irresponsabilidade e pelo desgoverno. Ainda em outubro de 2019, em mensagem encaminhada a Edson Sardinha pelo WhatsApp, Bebianno dizia nutrir “amor fraternal” por Bolsonaro, mas que discordava de quase todas as suas atitudes e entendia que ele deveria ser submetido a tratamento psiquiátrico. “Não avisem ao Jair que ele está quase nu. Jamais me furtarei de falar a verdade, mesmo que tal postura me imponha riscos. Sempre fui leal, mas fanatismo não é lealdade”, finalizou o ex-ministro. Uma análise das revelações que hoje vêm a público demonstra que “tudo fazia sentido” nas palavras de Bebianno.