Nonato Guedes
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do governo Lula com alterações no sistema de segurança pública do país foi rechaçada por governadores das regiões Sul e Sudeste, reunidos no Consórcio Cosud, sob a alegação de que a medida capitaneada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ocasiona “uma série de incertezas para as gestões estaduais”. Reunidos no sábado, esses governadores lançaram um documento intitulado “Carta de Florianópolis” em que teorizam sobre suposta invasão da autonomia de unidades da Federação contida na PEC. “Somos contra qualquer proposta que enfraqueça os Estados e reduza sua capacidade de agir de forma rápida e adequada às necessidades locais. A segurança pública deve ser construída com base na colaboração, no respeito às diferenças regionais e no fortalecimento das capacidades locais, e não por meio de uma estrutura centralizada que limita a eficiência e amplifica a burocracia”, ressalta o documento.
Os gestores enfatizam, ainda, que “todos os territórios brasileiros precisam, sim, de uma participação mais ativa e efetiva do governo federal, mas que essa atuação não deve ser concorrente ou gerar prejuízos às estruturas atuais de segurança pública”. Textualmente, assinalam: “Os Estados do País como um todo precisam que esses esforços da União sejam realizados de forma complementar, em especial nas fronteiras do Brasil”. Acrescentam que os Estados da região têm, hoje, de forma geral, sistemas de segurança eficientes já estabelecidos e que, além disso, a partir da apresentação do Inquérito Digital, do Sistema Único de Denúncia do SUSP – Sistema Integrado de Segurança Pública, que se caracteriza por reunir as bases de todos os registros de ações no combate ao crime, os Estados-membros do Cosud, em breve, passarão a constituir uma plataforma de ação conjunta e integração dos dados de segurança pública, justiça, fiscalização e controle, propiciando eficiência na atuação policial e na tomada de decisão”. Assinam a carta os governadores Ratinho Júnior, do Paraná, Jorginho Mello, de Santa Catarina, Gabriel Souza, governador em exercício do Rio Grande do Sul, Cláudio Castro, do Rio de Janeiro, Renato Casagrande, do Espírito Santo, Romeu Zema, de Minas Gerais, e Tarcísio de Freitas, de São Paulo.
Entre as principais mudanças da PEC elaborada pelo governo do presidente Lula estão: inclusão do SUSP na Constituição; garantia de competência da União para definir diretrizes gerais da política de segurança pública e o sistema penitenciário, atualização das competências da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal no combate a organizações criminosas, milícias e crimes ambientais, padronização de protocolos e informações como boletins de ocorrência, mandados de prisão e certidões de antecedentes criminais, similar ao que ocorre no SUS e na Educação, estabelecendo uma linguagem unificada entre as forças policiais. Na última sexta-feira, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL) foi escolhido como novo presidente do Consórcio de Integração Sul e Sudeste, sendo eleito em substituição a Ratinho Júnior, no sistema de rodízio, pelos governadores de outros seis Estados que compõem o Consórcio durante o décimo segundo encontro do grupo realizado na capital catarinense.
Embora o Cosud exista desde 2019, criado com o intuito de reunir os sete governadores dos Estados com maior PIB (Produto Interno Bruto) do país, a formalização do consórcio ocorreu apenas em 2023, agrupando Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. A ideia é promover encontros entre os gestores a cada 90 dias para discutir o desenvolvimento das regiões. Cláudio Castro, que vai comandar o organismo, afirmou que durante a gestão que empalmará a partir de março de 2025, pretende dar continuidade ao trabalho que já vem sendo realizado pelo Cosud e contribuir para políticas públicas não só regionais, mas em âmbito nacional. “Vamos dar continuidade ao trabalho que o Cosud vem fazendo para termos cada vez mais integração e construirmos políticas públicas para as duas regiões, impulsionando o desenvolvimento dos nossos Estados e de todo o país. É um Consórcio que se consolida e se fortalece cada vez mais pelo diálogo e empenho de governadores e de todas as nossas equipes”, asseverou ele. Polêmico por gestos de oposição ao governo Lula, o Cosud já veio a público manifestar que o organismo não tem fins políticos e eleitorais.
Em relação à temática da segurança pública, tem sido agitada, na verdade, pelos governadores do Sul e Sudeste de forma veemente, desde quando identificaram na onda de violência na Bahia a oportunidade de fazer um contraponto às políticas de segurança petistas, sobretudo na região Nordeste, onde oito dos nove governadores manifestam apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não obstante, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em certa ocasião, negou a intenção de contraponto ao governo federal por parte do grupo, enfatizando que “trabalhar com o governo federal é fundamental, então, de forma nenhuma há um distanciamento do governo federal”. Os gestores oposicionistas chegaram a se reunir com o presidente Lula para discutir, exatamente, a problemática da segurança pública – e houve choque entre o mandatário e o governador de Goiás, quando este afirmou que seu Estado não vive clima de tensão na ordem pública, levando Lula a insinuar que ali havia, então, um paraíso. De modo geral, a temática da segurança divide, também, governadores nordestinos, mas estes são claramente mais receptivos ao diálogo com o Planalto sobre formas de cooperação no enfrentamento a esses casos.