Nonato Guedes
O pacote de corte de gastos proposto pelo Poder Executivo através do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é polêmico quanto à promessa do presidente Lula de que haverá uma economia de R$ 327 bilhões em meio à pressão cerrada do mercado para que haja um equilíbrio fiscal efetivo e não paliativo. Há alguns acenos populistas por parte do governo na direção das camadas mais pobres da sociedade, dentro do que está sendo entendido equivocamente como uma reforma da renda e é certo que a pressão intensa do mercado financeiro levou ao término de um longo período de impasses entre aliados com visões mais conservadoras e os que defendem maior estímulo econômico. Aliados declarados do próprio Palácio do Planalto não demonstraram entusiasmo pelas medidas propostas, que serão objeto de PEC e de um projeto de lei complementar, mas líderes do Congresso Nacional sinalizam que o pacote deve ser votado pelas duas Casas (Câmara e Senado) antes do recesso parlamentar previsto para 22 de dezembro.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), coordenou uma reunião entre os líderes partidários e os ministros da Fazenda e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ainda ontem, em Brasília, quando externou a sua particular “boa impressão” em relação às medidas, bem como o compromisso de que, tão logo a Câmara dos Deputados aprecie o pacote, o Senado irá submetê-lo diretamente ao Plenário, para que até o final do ano haja a tramitação prioritária das mudanças no cenário econômico nacional. As reações junto a segmentos da sociedade foram de muitas dúvidas e desconfiança quanto ao êxito dos ajustes propostos, misturadas a críticas de parlamentares da oposição bolsonarista, que produziram uma coleção de “memes” para ironizar o pacotão de Haddad, e a reclamações generalizadas quanto à suspensão das emendas parlamentares, medida esta tomada pelo Supremo Tribunal Federal no bojo de veto sugerido pelo ministro Flávio Dino, preocupado em impor critério à “farra” da liberação dessas emendas para deputados federais e senadores – um escândalo que vem desgastando seriamente o Parlamento brasileiro.
O pacote de corte de gastos chegou a ser anunciado pelo ministro da Fazenda durante um pronunciamento em rede nacional, quando alegou que as medidas devem gerar uma economia de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos. De concreto, as próximas três semanas vão exigir “trabalho muito intenso” por parte dos congressistas. Rodrigo Pacheco assim resumiu a situação: “Temos pouco tempo e um grande desafio. São 24 dias de trabalho. Fiz um apelo aos líderes para termos um esforço concentrado e fazermos as entregas necessárias. Estimo que a Câmara dos Deputados possa fazer essa apreciação nas próximas duas semanas, e talvez se reserve a última semana útil antes do recesso para que o Senado possa apreciar o assunto”, comentou o dirigente do Senado. Após a reunião com os líderes partidários na presidência do Senado, o ministro da Fazenda disse ter sentido um “clima muito receptivo” ao pacote do corte de gastos. “Senti uma grande boa vontade daqueles que se manifestaram na reunião. A reação foi bastante favorável, um espírito de abertura muito grande para o diálogo. Saímos daqui com a esperança de que vamos construir um bom arranjo até o final do ano para termos um Orçamento de execução mais tranquila no ano que vem”, afiançou.
O ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, também demonstrou seu otimismo. “Raríssimas vezes senti um grau de compromisso tão grande e uma disposição tão grande de se conseguir a aprovação de uma proposta anunciada pelo governo. O centro da proposta, que vamos trabalhar para concluir a aprovação ainda este ano, é a consolidação do marco fiscal aprovado pelo Congresso Nacional – disse ele, referindo-se ao novo arcabouço fiscal (Lei Complementar 200, de 2023). Fernando Haddad estimou que, no cálculo da economia de despesas, embutida no pacote, serão R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40 bilhões em 2026. O plano prevê que o salário-mínimo continua tendo um ganho real acima da inflação, mas o crescimento fica limitado ao novo arcabouço fiscal entre 0,6% e 2,5% ao ano. O abono salarial fica mantido para quem recebe até R$ 2.640 por mês, o equivalente a dois salários mínimos, mas o Poder Executivo quer limitar a correção do benefício à inflação. Como o salário mínimo deve crescer acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o novo sistema de correção do abono deve ser mantido até que o benefício atinja o valor de um salário mínimo e meio. O Benefício de Prestação Continuada também deve passar por mudanças, dentro do objetivo de evitar uma indústria de liminares que assegure o repasse de dinheiro a pessoas que não teriam direito ao BCP e os cadastros dos programas sociais devem passar por biometria. O Poder Executivo também quer reduzir os prazos de recadastramento para evitar fraudes. Um conjunto de medidas alcança as Forças Armadas e o governo quer retomar o debate sobre o projeto que restringe o pagamento de supersalários a agentes públicos, matéria aprovada pela Câmara dos Deputados e que aguarda deliberação do Senado.
A “Agência Senado” revela que o pacote de corte de gastos dividiu a opinião de parlamentares governistas e de oposição. O senador Rogério Carvalho, do PT-SE, defendeu as medidas, alegando que o pacote orienta o gasto atual para ser mais eficiente na vida das pessoas. “São medidas muito racionais de contenção e qualificação do gasto público. Temos um arcabouço fiscal que precisa ser consolidado como o limite de gastos do governo, e isso tudo sem romper com o aumento real do salário mínimo acima da inflação e com a vinculação do gasto da saúde e da educação”, afirmou, relembrando que o governo Lula retomou a política de aumento real do salário mínimo. Já o senador Wellington Fagundes (PL-MT), ponderou que as medidas anunciadas pelo Executivo vão prejudicar os mais pobres. “Em relação ao salário mínimo, o governo quer segurar. Portanto, quem ganha menos vai ter mais dificuldade. E o mais importante: a inflação está aí batendo, e a inflação é a mais perniciosa, principalmente para quem ganha menos. A proposta do governo é aumentar impostos e continuar a gastança”. Por trás da controvérsia, o projeto de poder de Lula e do PT, com a provável candidatura do presidente à reeleição em 2026.