Nonato Guedes
Antes de ser eleito como presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) para o próximo biênio o ministro paraibano Vital do Rêgo vinha acompanhando, como relator, o cenário de paralisação de obras públicas financiadas com recursos federais, cumprindo fiscalização que atende a subitem de um acórdão do Plenário e que objetiva ampliar a publicidade e a transparência sobre a situação desses empreendimentos. O diagnóstico obtido a respeito foi desalentador, com a revelação de que metade das obras contratadas está paralisada, bem como que as áreas da educação e saúde concentram a maior quantidade das obras estagnadas e que os Estados do Maranhão, Bahia e Pará, que estão entre os cinco com maior demanda por vagas em creches, têm mais obras paralisadas do que em execução. Este é um dos grandes desafios da gestão de Vital, que admitiu que o TCU deve fomentar o controle social, estimular o engajamento dos gestores na busca de soluções e assegurar que o cidadão tenha ciência de como eles estão sendo aplicados.
Na Paraíba, Estado de origem do ministro Vital do Rêgo, há uma obra de grande vulto que está interrompida há pelo menos sete anos – a triplicação da BR-230, ligando Cabedelo ao bairro de Oitizeiro, em João Pessoa, e a bancada federal foi informada de que a descontinuidade deveu-se não à falta de recursos mas a questões de planejamento orçamentário, passando a haver, então, uma mobilização que atraiu o próprio governador João Azevêdo (PSB) ao Ministério da Integração Regional para tentar dar partida à celeridade de serviços deflagrados lá atrás. De um modo geral, diante do diagnóstico das obras paralisadas, o Tribunal de Contas da União já recomendou aos Ministérios das Cidades, da Educação, da Saúde e da Integração e do Desenvolvimento Regional, bem como à Fundação Nacional de Saúde, que avaliem a oportunidade de adotar as plataformas “Transferegov.br” e “Obrasgov.br” para a realização da gestão de seus contratos de obras. O consenso é o de que a expressiva quantidade de projetos interrompidos representa desperdício de recursos públicos e compromete diretamente a eficácia das políticas públicas e a capacidade de atendimento às necessidades essenciais da população.
Em 2024, segundo informa a Secom do TCU, a Corte de Contas identificou 11.941 obras paralisadas no país, o que corresponde a 52% das contratações vigentes. Nesse cenário, a cada dois empreendimentos contratados com recursos federais, um encontra-se paralisado. Na análise das obras interrompidas por setor, as áreas de educação e saúde concentram a maior quantidade delas e sem perspectiva de conclusão, com 8.674 empreendimentos nessas condições, representando 2,6% do total. São milhares de unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimento, estruturas de atenção especializada, escolas, creches, quadras esportivas e outras infraestruturas que não foram concluídas conforme o planejado. A ausência dessas instalações impacta diretamente a população, prejudicando o acesso a serviços essenciais e comprometendo, evidentemente, a qualidade de vida em diversas comunidades. Na infraestrutura e mobilidade urbana há 1.243 obras paradas e constam, até mesmo, obras contra as secas, embora num patamar menos expressivo.
Quando se observa o panorama de obras paralisadas por Estado da Federação, lidera o ranking o Estado do Maranhão, com um total de 1.232 empreendimentos nessas condições ou 62% das contratações com recursos federais naquele Estado. Em seguida, a Bahia ocupa a segunda posição, com 972, representando 57% do total de contratos no Estado e, na terceira posição, está o Pará, com 938, equivalendo a 77% dos contratos. Além de liderarem esse ranking desde 2022, Maranhão, Bahia e Pará enfrentam a preocupante realidade de terem mais obras interrompidas do que em execução. E, somado a isso, esses Estados estão entre os cinco que possuem a maior demanda por vagas em creches. Apesar do quadro considerado pelo Tribunal de Contas da União como alarmante, o levantamento trouxe à tona também indicadores positivos que merecem destaque. Entre eles, foram identificadas 1.169 obras que estavam estagnadas em 2023 e foram reiniciadas em 2024, além de 5.463 que foram concluídas desde o último levantamento. Outro avanço relevante foi identificado na gestão da Caixa Econômica Federal, que atua como mandatária da União em diversos instrumentos de repasse. Em 2022, a instituição apresentava 4.106 paralisações, representando 46,5% de sua carteira. Já em 2024, esse número caiu para 2.743 obras, ou 38,9% da carteira.
O problema é que, inobstante os progressos verificados, o cenário geral se agravou em relação aos ciclos anteriores. Para o colegiado do Tribunal, a piora decorre não apenas da maior precisão nas informações coletadas, mas também do estágio ainda inicial do Pacto Nacional pela Retomada de Obras da Educação e Saúde, instituído pela Lei 14.719/2023. O futuro presidente Vital do Rêgo é um profundo conhecedor do fenômeno das obras inacabadas, que se tornou recorrente na gestão pública brasileira, em suas diferentes esferas – e, como parlamentar (ele atuou como deputado estadual, deputado federal e senador) chegou a valer-se de tribunas para denunciar cronogramas de interrupção de obras ou de atraso na execução e para cobrar providências. De posse do diagnóstico que agora relatou, ele tem a chance de atualizar o diagnóstico e propor novas alternativas e soluções. Se fizer isto, certamente vai coroar na plenitude a sua passagem pela presidência de uma das mais respeitadas Cortes do país.