Nonato Guedes
Em seu blog na mais nova edição da revista “Veja”, o economista paraibano Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo José Sarney na década de 80, volta a comentar desdobramentos do noticiário sobre a tentativa de golpe de Estado que chegou a ser cogitada por bolsonaristas extremistas, inclusive, com plano de assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Maílson põe em dúvida a eficácia de uma conspiração dessa natureza, salientando que, sobretudo no continente latino-americano, não há mais lugar para intervenções autoritárias contra a ordem constitucional. Salienta que os alunos das escolas militares parecem ter muito a aprender sobre a realidade internacional surgida com a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas em 1991, e os oficiais incorporados aos quadros das Forças Armadas, também.
– Se fossem bem-informados a respeito disso, os oficiais que planejaram o golpe de Estado provavelmente não teriam sido tão amadores, tão incompetentes, tão bizarros. A mentalidade da Guerra Fria incutida nos golpistas contribuiu para uma grave falha da intentona: eles não perceberam as mudanças no cenário mundial. No pós-guerra, golpes militares latino-americanos tinham por objetivo se contrapor a uma ameaça comunista. Muitos foram apoiados pelos Estados Unidos, que logo reconheciam o novo governo, no que eram seguidos por outros países ricos e pela maioria das nações em desenvolvimento. Apoiar ditaduras era o preço a pagar – acrescenta o ex-ministro, explicando que se estivessem um pouquinho atualizados na sua visão de mundo os idealizadores da aventura mais recente de golpe no Brasil nem sequer teriam pensado na empreitada, menos ainda em incluir nos planos o assassínio de autoridades. Os golpistas, avalia Maílson, buscaram evitar erros cometidos pelos matadores da vereadora Marielle Franco, no Rio, cujos deslocamentos foram rastreados por usarem celulares. Todavia, os golpistas deixaram uma profusão de pistas que facilitaram o trabalho da Polícia Federal.
O ex-ministro relata: “Um dos golpistas, pasmem, imprimiu parte relevante do plano em máquina do Palácio do Planalto, onde tudo ficou registrado”. Nóbrega teoriza que golpes latino-americanos foram um fenômeno do pós-guerra. “Saíram de moda a partir dos anos 1990. O comunismo praticamente desapareceu, hoje restrito a Cuba e à Coreia do Norte, sem nenhuma condição de ameaçar a liberdade e a paz mundial. Agora, ao suspeitarem de iniciativas de golpes, os americanos enviam altos funcionários para informar que não apoiarão qualquer tentativa de ruptura institucional. Foi o que fez aqui o presidente Joe Biden, em 2022. Golpes de Estado, por outro lado, são repudiados pelas nações mais ricas. E, depois, os regimes autoritários sofrem sanções para realizar eleições livres, democráticas, em seus países. Maílson ressalta que nas análises atualizadas da conjuntura são levados em consideração os custos com fatores econômicos – e menciona, especificamente, que no caso de uma intercorrência desse tipo no Brasil, atualmente, haveria graves danos ao potencial de crescimento da economia e à geração de emprego e renda. Um golpe de Estado levaria o país a ser um pária internacional, submetido a amplo processo de isolamento.
– No limite – prossegue Maílson da Nóbrega – um golpe de Estado poderia excluir o Brasil da Sociedade Mundial de Telecomunicações Financeiras Interbancárias (Swift, na sigla em inglês), como aconteceu com a Rússia após a invasão da Ucrânia. Trata-se do sistema que operacionaliza transferências entre instituições financeiras, como as que são realizadas no comércio exterior. Haveria graves danos ao potencial de crescimento da economia e à geração de emprego e renda. Máxima ironia, o golpe faria o Brasil virar uma Venezuela. Em seus alertas, Bolsonaro (o ex-presidente Jair Bolsonaro) imaginava que isso viria do nosso empobrecimento, o que dificilmente ocorreria diante da abismal diferença da economia e das instituições dos dois países. A causa seria a ação movida pelo anticomunismo bolorento dos militares, que perseguiam um autoritarismo semelhante, ou pior. A semelhança com a Venezuela decorreria da condição de pária internacional. A nova realidade precisa ser difundida não apenas nas escolas militares, mas também na tropa. A democracia é sempre a saída.
O diagnóstico oferecido pelo ex-ministro da Fazenda, que privou da intimidade dos círculos de poder em Brasília, incluindo chefes militares, e que mantém-se atualmente como referência para avaliações sobre tendências de mercado e da economia no Brasil, como decorrência da conjuntura política e social vigente, é não apenas pertinente mas absolutamente coerente com a realidade. A própria globalização econômica mundial criou freios e contrapesos a aventuras políticas e institucionais, principalmente, em países do Terceiro Mundo, e o consenso predominante, agora, é o de que o custo é muito elevado do ponto de vista do sacrifício das instituições e da estabilidade dos investimentos de empresas e empresários que estão preocupados em expandir seus negócios e auferir seus lucros. A democracia, com a prevalência do conflito ou dos embates e, sobretudo, o domínio da transparência, acaba sendo o grande antídoto contra situações de instabilidade política-institucional no mundo e, em particular, no continente. Golpes de Estado, é sempre importante repetir, nunca mais!