Nonato Guedes
O ministro paraibano Vital do Rêgo, presidente do Tribunal de Contas da União desde primeiro de janeiro, declarou em entrevista à “Veja”, nas páginas amarelas, que se nada for feito o sistema previdenciário entrará em colapso no Brasil e as aposentadorias poderão deixar de ser pagas daqui a cinco anos. Vital assumiu o cargo no momento em que a Corte ganhou protagonismo por ser responsável por avalizar acordos com empresas privadas encrencadas e fiscalizar as bilionárias e pouco transparentes emendas parlamentares e, a partir de agora, até os sites de apostas. Vital revelou à jornalista Laryssa Borges que sua gestão, além de escrutinar as finanças do Executivo, terá um lado educativo, e fez severas críticas ao excesso de isenções fiscais, além de prevenir que o país pode parar por falta de receitas. “Veja” lembra que desde 2016, quando deu o verniz legal para o processo de impeachment que tirou Dilma Rousseff do cargo, o Tribunal de Contas da União passou a ser entreposto frequente de consultas de presidentes da República, governadores, parlamentares e prefeitos, com questionamentos sobre temas variados que abarcam desde parâmetros para programas de concessão a calibragens na agenda econômica.
Vital admitiu que a diferença entre um parlamentar e um ministro do Tribunal está na concepção diferente de poder, citando como exemplo que o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva acabou de sancionar um projeto de repercussão que foi apresentado por ele (Vital) quando era senador, sendo que o paraibano está no Tribunal de Contas da União há dez anos. Sua avaliação é de que no TCU sua decisão tem resultado mais imediato do que quando congressista, além de destacar o papel de arbitrar orientações aos gestores públicos para que eles não cometam erros, numa missão com caráter educativo. “Até algum tempo atrás o TCU só entrava depois do jogo terminado, como se fosse um comentarista de mesa-redonda de futebol. Hoje ensinamos o prefeito a não errar, ensinamos os ministérios a fazer concessões para que a bola chegue aqui mais redonda, estimulamos o cidadão a ser ele próprio um auditor social. E ainda temos um processo muito importante, que é a apreciação das contas públicas da Presidência da República”, salienta. Vital entende que a cultura do tribunal não tem que ser só punitivista, mas também pedagógica, acrescentando que dos 25 000 acórdãos existentes lá, metade refere-se a situações de danos à administração pública. “Nós apontamos os responsáveis e, para diminuir isso, temos que orientar os gestores”, disse.
A ideia do novo presidente da Corte é fazer reuniões em cada Estado da Federação com os prefeitos, levando manuais e informativos, além de treinar três funcionários de cada prefeitura para se tornarem gestores capacitados. “Se, ainda assim, eles errarem, não os verei com os olhos de quem não quis aprender. Vamos ter que punir”. Ex-deputado federal e ex-senador, Vital do Rêgo não quis comentar a versão de que vagas no TCU são oferecidas como moeda de troca por apoio político, como aconteceu recentemente. “Não nos metemos nessa questão de o Congresso decidir quem vem para o TCU. Eu mesmo larguei o mandato de senador e preferi vir para o tribunal. Foi a decisão mais difícil da minha vida. Como nós gozamos de respeitabilidade, muita gente gostaria de estar aqui participando da vida brasileira. Sobre essa questão de moeda de troca, quando o indicado chega a ministro não tem essa história de ser braço político do partido. Se alguém estiver com alguma intenção como esta, aqui não consegue. O ambiente não deixa. Temos um corpo técnico fortíssimo”, adverte ele. O presidente, que no passado, quando da privatização da Eletrobras, disse que o TCU sofria pressões exógenas e poderosas, hoje pontua: “Quero deixar claro que a gente recebe pressões absolutamente legítimas da sociedade e sobre todos os temas. Temos que receber mesmo. Não somos aqui uma casta de blindagem. Parlamentar, Executivo, Judiciário, todos pressionam o TCU, mas no sentido legal da palavra. Tanto é assim que queremos incentivar a interligação entre os poderes. O TCU quer ser uma ponte para o diálogo”, assinalou.
Sobre a inovação do tribunal criando uma secretaria para buscar consensos entre o poder público e empresas privadas, Vital do Rêgo não concorda que a mediação de acordos possa comprometer a independência do TCU em julgar quem burla regras e contratos. “O cidadão perderá muito menos tendo esse acordo do que um litígio interminável. Nossa ideia é tentar um consenso porque o interesse público é que é o capital: o cidadão comum que está esperando que seu tíquete de pedágio seja mais barato ou que a tarifa aérea seja mais acessível. Dentro de um consenso, sabemos que os dois lados têm de ceder. Claro que temos que ficar atentos ao histórico controverso de empresas que buscam acordo no TCU mas fizemos doze acordos positivos e tem mais de trinta ainda para serem julgados. Apenas em um envolvendo usinas termelétricas, reduzimos a conta de energia elétrica em 50 milhões de reais. O TCU é um agente de segurança jurídica”, define.
Sobre o poder de fiscalização das emendas parlamentares que chegarão a 50 bilhões de reais em 2025, Vital foi indagado se não seria dinheiro demais nas mãos do Congresso em um país com tantas carências. E respondeu: “Não sei se o poder discricionário do Congresso está muito grande, mas o do governo certamente está muito pequeno. Não entro na questão das disputas do Orçamento entre o governo e o Congresso porque isso é coisa da política, mas é importante dizer que governo e o Congresso têm que ter muito cuidado com o risco de a máquina pública parar. Quando se tem muito poucas reservas e ainda por cima elas são discricionárias, há o risco de um shutdown. Não sou tão pessimista, mas em casos assim a falta de recursos vai afetar principalmente obras de infraestrutura”. Vital do Rêgo concluiu, de forma enfática, afirmando que a renúncia fiscal no Brasil não tem resultado social. “Além de não ter resultado, ao final do período de vigência o governo ainda renova o benefício, ficando ad aeternum, ou a empresa vai embora do país. Isso gera repercussão no Orçamento porque não há receitas. O setor automobilístico, para mim, é o mais gritante. Insisto que vai ter uma hora que a máquina vai parar”.